Vistos. Trata-se de AÇÃO COMINATÓRIA/INDENIZATÓRIA proposta por MUSTAFÁ CONTURSI GOFFAR MAJZOUB em face de MARCELO GONÇALVES DA SILVA FONSECA, visando compelir o réu em obrigação de fazer, consistente em retratação pública em periódico, além do pagamento de indenização por danos morais sofridos, em razão das ofensas por ele proferidas em face de sua imagem e honra no mesmo jornal (fls.02/13). Ao ser contestada a ação (fls.54/62), foi aduzido que: a) a postura do autor nunca foi pautada pela serenidade e temperança; b) o réu apenas defendeu apenas os interesses do clube, rebatendo a denúncia feita pelo autor; c) o clube estava com um passivo enorme, deixado pela gestão do autor; d) o réu não teve o propósito ofensivo a ponto de macular a honra do autor; e) o mero dissabor não pode ser equiparado ao dano moral; f) outros torcedores fazem o mesmo e em tom muito mais baixo, sem que isso sensibilize o autor; g) a pretensão não procede. Houve réplica (fls.85/87). É o relatório. DECIDO. O artigo 186 do Código Civil estabelece a diretriz que ilumina todo o sistema brasileiro de responsabilidade extracontratual: "Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano." Depreende-se que três são os elementos essenciais da responsabilidade civil aquiliana: ação ou omissão culposa ou dolosa do agente, dano e o nexo causal. Para a procedência desta ação, é necessário que todos os elementos acima aludidos sejam confirmados no caso vertente. Por proêmio, deve ser ressaltado que a controvérsia tem, como pano de fundo, o universo – apaixonado e muitas vezes pitoresco – dos bastidores de política de clube de futebol, no caso concreto, da Sociedade Esportiva Palmeiras, cujas maiores conquistas foram o título de campeão da taça Libertadores da América e de vice-campeão mundial de interclubes, ambos no ano de 1999 (fls.05). Nesse meandro, o nível de serenidade e de equilíbrio dos postulantes aos cargos diretivos – com raras exceções, como o falecido presidente do São Paulo Futebol Clube, Marcelo Portugal Gouveia – não é equivalente a de um oráculo de um templo grego ou a de um tribuno romano: em regra, costumam defender a agremiação (externamente) ou a própria gestão (internamente) mais com a emoção do que com a razão. As palavras sóbrias cedem espaço para o duelo verbal, que deveria restar circunspecto ao nível do torcedor comum. Se, por um lado, sob certo aspecto, também são torcedores, por outro, quando assumem um cargo de envergadura, deveriam dar o exemplo de mínima civilidade no trato recíproco quando o assunto envolve política de clube. Se Max Weber já disse que, quem quer buscar a salvação, que não a faça nas vias da política, asseguro que, quem quer buscar a ponderação, que não a procure nas vias dos bastidores agremiativos. No caso dos autos, o réu, membro da oposição que assumiu o comando do clube, seguindo o exemplo superior (fls.23), extrapolou na crítica e referiu-se ao réu nos seguintes termos: "a verborragia mentirosa digna de um ogro é o sinal de humilhação de quem foi reduzido a um pateta nos últimos anos. Eis o ogro-pateta" (fls.25). Como que se justificando do excesso verbal e, digamos, qualificativo do autor, o réu desvia sua argumentação com alegações estranhas ao campo do direito à imagem e honra. Traz números e mais números (fls.56/57) que, ainda que comprovassem o efetivo estado deficitário do clube, não são aptos a legitimar sua referência ao autor como um ogro (tosco) e pateta (idiota), qualificativos que, certamente, o réu não gostaria de ser chamado. Apenas discordo da alusão da verborragia, porque a regra, no mundo do futebol brasileiro, é justamente a fluência verbal divorciada da mesma fluência intelectiva. Mutatis mutandis Yussef Said Cahali preleciona que pelo menos quando se trata de dano moral padecido pela pessoa física em razão de o abalo de crédito decorrente de protesto indevido de título, tem prevalecido na jurisprudência o princípio geral da presunção do dano, afirmando-lhe a desnecessidade de uma demonstração específica, porquanto ela é inerente ao próprio evento: é fato notório e independe de prova que um protesto, comprovadamente indevido, acarreta transtornos para a pessoa na sua vida em sociedade, ocasionando-lhe perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos, nos afetos, na auto-estima, no conceito e na credibilidade que desfruta entre as demais pessoas de seu círculo de relações; à diferença do dano material, resultante do abalo de crédito e outros prejuízos, e que deve ser demonstrado através de fatos concretos, já não, porém, o dano extrapatrimonial, decorrente de indevido protesto de título já pago, pois este é um dado da experiência comum e se concretiza na ofensa à reputação da pessoa, e a outros valores que integram o seu direito subjetivo da personalidade (in Dano Moral; RT; 2a ed.; 3a tiragem; São Paulo; 1999; p.398/399). Segundo as máximas de experiência, causa vexame ao ofendido a declaração veiculada na imprensa escrita, de conteúdo claramente ofensivo à reputação do autor. Em se tratando de simples sentimento, não há como exigir que seja provado. As regras da experiência comum o tornam notório, dispensando-se com isso a necessidade de prova (CPC, artigo 334, inciso I). A dificuldade de prova sobre sentimento íntimo, como é a dor por injustiças cometidas que têm como exemplo a tratada nos autos, levaria fatalmente à improcedência da maioria das ações que fossem ajuizadas com fins reparatórios. Ou, no mínimo, instigaria a produção de prova forjada sobre a existência da dor, prática que deve ser evitada. O mencionado sofrimento causado ao requerente representa dano moral indenizável. Com isso, configurado o dano moral, por ele responde o requerido. Quanto ao terceiro elemento ( o nexo causal ( o ré não merece melhor sorte, visto que a origem do abalo moral sofrido pelo autor foi a publicação ofensiva, segundo o já exposto. Demonstrado, em uníssono, a ação culposa do requerido e o nexo causal entre esta e o dano moral sofrido pelo requerente, tem aquele o dever de indenizá-lo. Cumpre, pois fixar o montante da indenização a que tem o requerente direito. Essa fixação depende de diversos fatores, que precisam ser analisados a fim de que o quantum estabelecido se mostre adequado. Com o objetivo de estabelecer o valor da indenização, é preciso considerar, em primeiro lugar, a condição social do requerente, uma vez que a indenização precisa ter montante que seja suficiente para compensar a dor sofrida, mas não pode chegar ao ponto de representar um enriquecimento dele, em detrimento do réu. O requerente pode ser considerado uma pessoa proeminente no âmbito esportivo do futebol (fls.04/05). Tendo em vista tal fato incontroverso, uma indenização de valor razoável se impõe, para que se obtenha compensação financeira para ele significativa, mas modulando-se com o ambiente beligerante que normalmente cerca as discussões e as críticas provenientes de uma gestão recém-empossada em relação à anterior. Em regra, a jurisprudência tem estabelecido em duzentos salários-mínimos a indenização por dano moral no caso de morte de parente próximo e, em cem salários mínimos, a compensação pecuniária por dano estético. O fulcro da indenização converge para o eixo das forças compensatória, acima apreciada, e punitiva. Uma indenização nos moldes subliminarmente pleiteados pelo réu não o tornará mais precavido no futuro, a ponto de não tornar o dano indene, a descrédito do Poder Judiciário, frente ao seu excesso verbal culposo. Portanto, para que o réu se veja realmente castigada pela ofensa que praticou, além de assegurar uma justa compensação ao autor, uma indenização na quantia de 20 salários-mínimos é suficiente, atendendo-se à convergência de forças acima aludida (RT 675/100), sem prejuízo da retratação pública no mesmo veículo causador do dano moral. Posto isso, JULGO PROCEDENTE a pretensão para o fim de obrigar o réu a publicar, às suas expensas, a retratação nos moldes pedidos (item ii – fls.12), no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (hum mil reais) e, outrossim, a condená-lo ao pagamento de indenização por danos morais arbitrada no equivalente a R$12.440,00 (doze mil, quatrocentos e quarenta reais), com juros de mora, na taxa SELIC (artigo 406 do Código Civil – que já embute, em seu cálculo, a correção monetária do período), desde o evento lesivo (Súmula 54 do STJ) até o efetivo pagamento em ambos os casos. Condeno o demandado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor da condenação, com espeque na norma do artigo 20, §3º, do CPC. P. R. I. Campinas, 11 de maio de 2012. André Gonçalves Fernandes Juiz de Direito Auxiliar |
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.