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Código tem caminho para Lusa perder pontos só em 2014, diz especialista

Perrone

26/12/2013 06h00

O blog recebeu do advogado Álvaro Melo Filho, que participou da elaboração do atual CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), novo estudo feito por ele sobre o caso da Portuguesa no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva). O especialista concluiu que há um caminho para que a Lusa seja punida com a perda de pontos apenas no Brasileirão de 2014, escapando do rebaixamento nos tribunais. Isso sem que o CBJD seja ferido. A tese vale também para o Flamengo, outro clube punido pelo STJD após o Brasileirão.

Mello Filho, que antes não via uma luz no fim do túnel para o time paulista, argumenta que o próprio CBJD abre brecha para o "adiamento" do castigo pela escalação irregular de Heverton, suspenso, contra o Grêmio.

Um dos pilares da nova argumentação é o artigo 2º do CBJD. Ele diz que a interpretação e aplicação do código observará uma série de princípios. Entre eles a "prevalência, continuidade e estabilidade das competições".  É uma ferramenta para que o resultado do campo seja preservado.

Melo Filho combina esse trecho do CBJD com o artigo 30 do Código Disciplinar da Fifa, que permite que uma equipe seja punida com perda de pontos em campeonatos futuros.

No código da Fifa o advogado encontra a justificativa para que uma regra da entidade seja usada por um tribunal brasileiro. O artigo 146 do conjunto de regras da federação internacional diz que as associações nacionais devem incorporar uma série de normas da Fifa, como a dedução dos pontos em campeonato futuro. A medida visa padronizar as decisões nos tribunais esportivos dos países filiados.

O estudo também apresenta o antídoto para possíveis alegações de que fazer prevalecer uma regra da Fifa seria ferir a soberania nacional. Ele lembra que a lei 9.615/98 (lei Pelé) determina que a prática esportiva formal  seja "regulada por normas nacionais e internacionais".

Caso no julgamento do recurso da Lusa, nesta sexta, seja mantida a perda de quatro pontos, o advogado sugere que o STJD "ouse aplicar a modelação temporal dos efeitos punitivos de tais julgamentos, postergando para o Campeonato Nacional de 2014 a dedução de pontos".

O trabalho, que não foi encomendado pelas partes envolvidas, mas feito espontaneamente pelo autor, conclui que o STJD deve decidir também pensando em evitar uma enxurrada de ações na Justiça que ameace o início do próximo Brasileiro.

Leia abaixo o trabalho produzido por Álvaro Melo Filho.

Por uma postura ousada da Justiça Desportiva para que as 
competições de futebol não sejam de "pontos jurídicos" 
Álvaro Melo Filho (*)

"Não será possível definir direito e aplicar justiça, em 
função  de  matéria  desportiva,  fora  do  mundo  do 
desporto,  sem  o  espírito  da  verdade  desportiva,  sem  o 
sentimento da razão desportiva." 
João Lyra Filho

Este trabalho  jurídico  tem  propósitos  doutrinário-científicos, sem 
nenhum  envolvimento  profissional,  conquanto  o  autor  está 
desvinculado de quaisquer das partes envolvidas nas recentes decisões 
da  Justiça  Desportiva.  Sua  motivação maior é  fruto  da  minha luta 
trintenária  na  construção  do Direito  Deportivo,  onde,  com  idealismo, 
arquitetei  e  modelei  o  art.  217  da  Lex  Magna  que,  inclusive 
constitucionalizou  a  Justiça  Desportiva,  e,  na  elaboração  do  CBJD, 
quando propus e obtive apoio unânime dos pares para a codificação de 
três  relevantes e  atualíssimos princípios  (tipicidade, fair  play  e pro-competitione).  

É  notório  que  as  decisões  judicantes  desportivas  sobre  o 
Brasileirão/2013 repercutiram na imprensa nacional e até internacional, 
e,  mais  ainda, transfundiram muitos  dos 200  milhões  de  brasileiros – 
antes técnicos de futebol – em hoje especialistas de Direito Desportivo
que estão a publicar nos meios audiovisuais e mídias sociais suas críticas, 
sugestões,  opiniões,  argumentos  metajurídicos  e  interpretações 
jusdesportivas.
Forçoso reconhecer que grande parcela da comunidade futebolística 
comunga da convicção de que os pontos e os campeonatos se ganham e 
se  perdem  em  campo,  nunca  nos  tribunais  desportivos,  sob  pena de 
transfundir  o  sistema  de  disputas  de  pontos  corridos  em  "pontos 
jurídicos".  Certamente fundado  nesta  concepção  tem-se  que  várias
decisões  da  Justiça  Desportiva  causam  indignação,  sendo,  às  vezes,
qualificadas  como  "virada  de  mesa".  Enquanto isso, a  própria  Justiça 
Desportiva  é etiquetada  como  "tapetão",  como  decorrência  de 
interpretações literais, irrazoáveis e arbitrárias que prejudicam os atores 
futebolísticos,  muitas  vezes  vítimas  de  exacerbado  e  anacrônico 
justicialismo desportivo.  

Ratifico,  publicamente,  manifestações  anteriores pela  higidez 
jurídica  do  art.  133  do  CBJD  para  produzir  seus  imediatos  jurídicos 
efeitos em dia não útil, assim como pela inaplicabilidade dos arts. 35 e 
36 do  Estatuto  do  Torcedor  ao  processo judicante  desportivo.  Isso,
contudo, não me tolhe o direito de levantar e, sobretudo fundamentar,
uma tese que pode conduzir as atuais e candentes questões para uma 
solução razoável, lógica e sistemática, sem rebuscos ou contorcionismos 
jurídicos, por poucos imaginada, e que, infensa a fanatismos clubísticos, 
atenda aos interesses de toda a sociedade desportivizada.

Sem animus  de  dar dribles  jus-desportivos  ou  de  prestar  razões, 
onde razão não há, o princípio pro-competitione incluído, por sugestão 
nossa, no art. 2º, inciso XVII, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, 
não  pode  ficar  marginalizado nestas  demandas  desportivas  que 
apontam para consequências imprevisíveis e possíveis efeitos danosos e 
maculadores da imagem do STJD e, por arrastamento, da própria CBF. 

Ressalte-se que este princípio pro competitione (também nominado 
de  princípio  da  prevalência,  continuidade  e  estabilidade  das 
competições), foi insculpido para prevenir que a aplicação de sanções 
desportivas  seja  utilizada  para  a  manipulação  das  competições, 
falseamento de resultados obtidos no campo de jogo ou uso de artifícios 
jurídicos para alterar a classificação de campeonatos. Seu objetivo é, à 
evidência,  valorar a competição, privilegiar o resultado desportivo intra-campo e  assegurar o  real  e  único  escopo das  disputas  desportivas:  a  supremacia do critério técnico.

Impende sinalar que não se quer interferir no julgamento do mérito 
dos recursos dos  clubes  apenados no  pleno  do  Superior  Tribunal    de 
Justiça  Desportiva  da  CBF,  órgão legalmente dotado  de  autonomia  e 
independência. Também não se advoga aqui alimentar-se a impunidade 
desportiva ou promover-se a aplicação torcida e distorcida do CBJD.
Por outro lado, não se pode fazer tabula rasa do art. 30 do Código 
Disciplinar da FIFA – CDF, em face do qual "pueden deducirse a un club 
puntos de los obtenidos en el campeonato en curso o en un campeonato 
futuro". Este ditame do CDF (art. 30) quadra-se dentre as disposições 
vinculantes, de adoção obrigatória pelas Associações Nacionais filiadas à 
FIFA, consoante se lê no art. 146, incisos 3 e 4 do mencionado CDF. 

Este cogente dispositivo do CDF fundado no propósito de unificação, 
em sede de matéria disciplinar do futebol, há de ser adotado, observado 
e  garantido  por  todos  os  entes  nacionais  dirigentes –  associações  e 
confederações nacionais -, sob pena de sanção de multa, sem prejuízo 
de aplicação de outras apenações adicionais (art. 146.5 do CDF).  
Antes  que  se  venha  arguir tartar-se  de  legislação  alienígena  e 
configuradora de ofensa à soberania nacional, exigindo ser previamente 
recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, veja-se a dicção do 
art. 1º,  § 1º, da Lei 9.615/98, verbis:

"Art. ………

§ 1º A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais 
e  internacionais  e  pelas  regras  de  prática  desportiva  de  cada 
modalidade,  aceitas  pelas  respectivas  entidades  nacionais  de 
administração do desporto."

A propósito, J.Y. Plovin já assinalou: "É notório que por intermédio 
das Federações Internacionais, um conjunto de regras e normas acaba 
por se impor às nações" (in Gazette du Palais, Paris, 1977, p. 2.450). Vale 
dizer, esta absorção envolve tanto as regras de jogo do futebol, quanto 
as  normas  promanadas  das  Federações  Internacionais  em  seus 
Estatutos, Regulamentos e Códigos.
Dentro  deste  quadro  delineado,  e,  considerando  que  o 
Campeonato  Brasileiro  de  2013  já  integralmente  concluído,  tais 
julgamentos dos recursos interpostos têm duas alternativas:
a) julgar improcedentes as denúncias formalizadas pela Procuradoria 
Geral do  STJD,  tornando  imodificada  a  classificação  final,  sem 
quaisquer repercussões nas disputas de 2014; ou,
b) acolher tais denúncias e confirmar as condenatórias e unânimes 
decisões da primeira instância, importa em alterar e subverter a 
classificação  final  de  alguns  clubes,  com  traumáticos
rebaixamentos advindos das decisões do STJD.
Admitindo-se que haja a concretização apenatória da hipótese "b" -com modificação  da  classificação  após  a  rodada  final,  em  razão  dos julgamentos realizados -, sugere-se que o STJD ouse aplicar a modelação temporal dos efeitos punitivos

de tais julgamentos, postergando para o Campeonato  Nacional  de  2014,  a dedução  de  pontos  dos  clubes 
apenados. É  preciso  que  o  STJD,  com  destemor,  utilize a lógica  de 
"pensar  o  múltiplo,  sem  com  isso  reduzi-lo  à  alternativa  binária". Ou 
seja, em decorrência de já estar concluído o Brasileirão/2013, com lastro 
no cogente art. 30 do Código Disciplinar da Fifa, e, diante de situações e 
resultados  desportivos  consolidados, não  se  vislumbra  a  mais  mínima 
injuridicidade de aplicar-se esta norma do CDF, ex vi do art. 1º, § 1º, da 
Lei  Pelé  e supedâneo  em  "normas  internacionais  aceitas  em  cada 
modalidade" (art. 283 do CBJD).
Sabemos  todos  que  nenhum  caminho  jurídico  é  pavimentado 
apenas  com  flores,  pois,  sempre  há  pedras  e  obstáculos  a  serem 
transpostos.

 Reponto  aqui  dois pertinentes problemas  que  foram 
levantados e merecem ser enfrentados. O primeiro óbice estria no art. 
2 º do  CDF,    quando  assinala  que  "a  aplicação  do  presente  código 
estende-se a todas as partidas e competições organizadas pela FIFA". Ou 
seja, há quem considere que, em face deste ditame, a delimitação do 
âmbito material de aplicação do CDF está adstrita a jogos e competições 
da FIFA. Ocorre que o texto não veda e nem exclui sua incidência em 
partidas e competições na esfera nacional. Outrossim, quando o art. 146 
do CDF explicita um conjunto de ditames vinculantes e obrigatórios para 
Associações Nacionais, acaba por ampliar seu raio de incidência inclusive 
para jogos e competições nacionais.

O segundo óbice exsurgiria do art. 283 do CBJD, quando, de fato,
dispõe que "os casos omissos e as lacunas deste Código serão resolvidos 
com a adoção dos princípios gerais de direito, dos princípios que regem 
este Código e das normas internacionais aceitas em cada modalidade…". 
Este  texto  pode gerar  a compreensão  de  que  tanto  o  princípio pro-competitione,  quanto  a  aplicação  de  normas  internacionais  do  CDF, somente teriam aplicabilidade, em caso de omissão ou lacuna do CBJD.

Note-se  que não há menção  à  proibição ou  à  impossibilidade  de  se 
utilizar os princípios do CDF e a normas internacionais, mesmo quando 
existem normas do CBJD sobre a matéria. Registre-se que os princípios, 
como "mandamentos de otimização", ajustam-se às normas de modo a 
permitir  sua  aplicação  em  sintonia  com  os  valores  encampados  pelo 
próprio  princípio,  servindo  de  critério  norteador  de  uma  prestação 
jurisdicional desportiva adequada. Outrossim, as normas internacionais 
do  CDF,  enquanto  cogentes, são  aplicáveis no  plano  nacional,  mesmo 
quando não se trata de colmatar lacunas e omissões do CBJD. 

A  par  dos  fundamentos  jurídico-desportivos  colacionados  e 
sugeridos  ao  STJD,  dois  aspectos  fáticos  e  desatrelados  dos 
enquadramentos no CBJD não podem ser desconsiderados:

a) as  fantasiosas,  maldosas  e  inverossímeis versões  de  "arranjos" 
engendrados para "salvar" e "rebaixar" clubes que  circulam na 
Internet  e  no  mundo  virtual estarão  soterradas  e  dizimadas, de 
vez, se  adotada  a  linha  decisória  aqui  alvitrada,  reforçando  a 
credibilidade do STJD com mais um julgamento técnico, imparcial
e dotado de sensibilidade desportiva;

b) para  o  "povão",  leigo  em  matéria  jusdesportiva, o  STJD  estará 
apenando de  forma  contraditória  fatos da  última  rodada,  posto 
que,  dois  dos  clubes – punidos  pelos  atos  de  barbárie  de  suas 
torcidas,  cumprirão  suas  apenações  no  Brasileirão  de  2014, 
enquanto dois outros – sancionados por uso irregular de atletas,  
sofrerão efeitos retroativos na já concluída competição de 2013.
Por  tudo  isso,  afigura-se  importante  dar-se  concretude  à
modelação ou  mitigação  dos  efeitos  temporais  das  decisões 
jusdesportivas do STJD, no intuito de salvaguardar a segurança desportiva
das competições findas, de prestigiar o princípio da pro-competitione (art. 
2º, inci. XVII do CBJD) e de evitar uma possível proliferação de demandas
judiciais. Aliás,  o  ajuizamento  de  ações e  as "aventuras    judiciais" na 
Justiça  Comum  por  torcedores,  clubes  apenados,  ONG's,  entes 
associativos  e/ou  "laranjas"  que,  com  liminares  e  cautelares, 
provavelmente  retardarão  o  inicío  das  competições  nacionais,  e/ou
incluirão  ou  excluirão equipes na e  da série  A, ensejando uma  nova 
versão do "caso Gama", com outras cores, dissabores e impasses, alguns 
talvez  incontornáveis.  Desse  modo,  quaisquer  dessas  hipóteses
conduziria o futebol brasileiro à anarquia e ao caos, pondo em risco a 
realização  das  competições  nacionais  programadas para  2014,  ano  da 
Copa do Mundo.

É hora do STJD, sem endossar impunidade desportiva, sem violentar
o CBJD e sem ficar aferrado a míopes interpretações literais do Codex
desportivo,  despir-se  de  qualquer  influxo  de  bairrismos,  interesses  e
paixões para encontrar o "ovo de Colombo" ou a tão procurada luz no 
fim do túnel em prol do futebol brasileiro. Nada obsta que o STJD atue 
como  poder  moderador  e  instância  harmonizadora  da  ordem jusdesportiva,  desde  que  não  faça  do  CBJD um  arcabouço    jurídico-desportivo  de  conjuntura. Por  sinal, estando  o  futebol  em  constante
devenir, é vital que o STJD reinvente-se na análise e julgamento de suas
desafiadoras demandas, torne-se menos monárquico e mais republicano
e  faça  justiça desportiva sem  casuísmo,  sempre e quando  cabível  a
adoção da modulação de efeitos pro futuro.


Pontue-se, alfim, que o STJD deve "jogar" seriamente o "jogo" do
Direito  Desportivo,  para  usar-se  as  expresses  de  Canotilho.  E,  nessa
toada,  parafraseando Stockton, seus  integrantes  hão  de  amarrar-se  às
correntes  da  sanidade  e  razoabilidade  jusdesportivas,  para  que  não
morram  por  mãos  suicidas  em  dia  de frenesi,  levando  de  roldão  o
futebol brasileiro.


(*) Advogado. Professor com Livre-Docência em Direito Desportivo. Membro da FIFA, da
International  Sport  Law  Association,  da  Comissão  de  Estudos  Jurídicos  Esportivos  do
Ministério de Esporte e do IBDD. Autor de 56 livros jurídicos, sendo 28 na área
do Direito Desportivo.        

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.