Código tem caminho para Lusa perder pontos só em 2014, diz especialista
O blog recebeu do advogado Álvaro Melo Filho, que participou da elaboração do atual CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva), novo estudo feito por ele sobre o caso da Portuguesa no STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva). O especialista concluiu que há um caminho para que a Lusa seja punida com a perda de pontos apenas no Brasileirão de 2014, escapando do rebaixamento nos tribunais. Isso sem que o CBJD seja ferido. A tese vale também para o Flamengo, outro clube punido pelo STJD após o Brasileirão.
Mello Filho, que antes não via uma luz no fim do túnel para o time paulista, argumenta que o próprio CBJD abre brecha para o "adiamento" do castigo pela escalação irregular de Heverton, suspenso, contra o Grêmio.
Um dos pilares da nova argumentação é o artigo 2º do CBJD. Ele diz que a interpretação e aplicação do código observará uma série de princípios. Entre eles a "prevalência, continuidade e estabilidade das competições". É uma ferramenta para que o resultado do campo seja preservado.
Melo Filho combina esse trecho do CBJD com o artigo 30 do Código Disciplinar da Fifa, que permite que uma equipe seja punida com perda de pontos em campeonatos futuros.
No código da Fifa o advogado encontra a justificativa para que uma regra da entidade seja usada por um tribunal brasileiro. O artigo 146 do conjunto de regras da federação internacional diz que as associações nacionais devem incorporar uma série de normas da Fifa, como a dedução dos pontos em campeonato futuro. A medida visa padronizar as decisões nos tribunais esportivos dos países filiados.
O estudo também apresenta o antídoto para possíveis alegações de que fazer prevalecer uma regra da Fifa seria ferir a soberania nacional. Ele lembra que a lei 9.615/98 (lei Pelé) determina que a prática esportiva formal seja "regulada por normas nacionais e internacionais".
Caso no julgamento do recurso da Lusa, nesta sexta, seja mantida a perda de quatro pontos, o advogado sugere que o STJD "ouse aplicar a modelação temporal dos efeitos punitivos de tais julgamentos, postergando para o Campeonato Nacional de 2014 a dedução de pontos".
O trabalho, que não foi encomendado pelas partes envolvidas, mas feito espontaneamente pelo autor, conclui que o STJD deve decidir também pensando em evitar uma enxurrada de ações na Justiça que ameace o início do próximo Brasileiro.
Leia abaixo o trabalho produzido por Álvaro Melo Filho.
Por uma postura ousada da Justiça Desportiva para que as
competições de futebol não sejam de "pontos jurídicos"
Álvaro Melo Filho (*)
"Não será possível definir direito e aplicar justiça, em
função de matéria desportiva, fora do mundo do
desporto, sem o espírito da verdade desportiva, sem o
sentimento da razão desportiva."
João Lyra Filho
Este trabalho jurídico tem propósitos doutrinário-científicos, sem
nenhum envolvimento profissional, conquanto o autor está
desvinculado de quaisquer das partes envolvidas nas recentes decisões
da Justiça Desportiva. Sua motivação maior é fruto da minha luta
trintenária na construção do Direito Deportivo, onde, com idealismo,
arquitetei e modelei o art. 217 da Lex Magna que, inclusive
constitucionalizou a Justiça Desportiva, e, na elaboração do CBJD,
quando propus e obtive apoio unânime dos pares para a codificação de
três relevantes e atualíssimos princípios (tipicidade, fair play e pro-competitione).
É notório que as decisões judicantes desportivas sobre o
Brasileirão/2013 repercutiram na imprensa nacional e até internacional,
e, mais ainda, transfundiram muitos dos 200 milhões de brasileiros –
antes técnicos de futebol – em hoje especialistas de Direito Desportivo
que estão a publicar nos meios audiovisuais e mídias sociais suas críticas,
sugestões, opiniões, argumentos metajurídicos e interpretações
jusdesportivas.
Forçoso reconhecer que grande parcela da comunidade futebolística
comunga da convicção de que os pontos e os campeonatos se ganham e
se perdem em campo, nunca nos tribunais desportivos, sob pena de
transfundir o sistema de disputas de pontos corridos em "pontos
jurídicos". Certamente fundado nesta concepção tem-se que várias
decisões da Justiça Desportiva causam indignação, sendo, às vezes,
qualificadas como "virada de mesa". Enquanto isso, a própria Justiça
Desportiva é etiquetada como "tapetão", como decorrência de
interpretações literais, irrazoáveis e arbitrárias que prejudicam os atores
futebolísticos, muitas vezes vítimas de exacerbado e anacrônico
justicialismo desportivo.
Ratifico, publicamente, manifestações anteriores pela higidez
jurídica do art. 133 do CBJD para produzir seus imediatos jurídicos
efeitos em dia não útil, assim como pela inaplicabilidade dos arts. 35 e
36 do Estatuto do Torcedor ao processo judicante desportivo. Isso,
contudo, não me tolhe o direito de levantar e, sobretudo fundamentar,
uma tese que pode conduzir as atuais e candentes questões para uma
solução razoável, lógica e sistemática, sem rebuscos ou contorcionismos
jurídicos, por poucos imaginada, e que, infensa a fanatismos clubísticos,
atenda aos interesses de toda a sociedade desportivizada.
Sem animus de dar dribles jus-desportivos ou de prestar razões,
onde razão não há, o princípio pro-competitione incluído, por sugestão
nossa, no art. 2º, inciso XVII, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva,
não pode ficar marginalizado nestas demandas desportivas que
apontam para consequências imprevisíveis e possíveis efeitos danosos e
maculadores da imagem do STJD e, por arrastamento, da própria CBF.
Ressalte-se que este princípio pro competitione (também nominado
de princípio da prevalência, continuidade e estabilidade das
competições), foi insculpido para prevenir que a aplicação de sanções
desportivas seja utilizada para a manipulação das competições,
falseamento de resultados obtidos no campo de jogo ou uso de artifícios
jurídicos para alterar a classificação de campeonatos. Seu objetivo é, à
evidência, valorar a competição, privilegiar o resultado desportivo intra-campo e assegurar o real e único escopo das disputas desportivas: a supremacia do critério técnico.
Impende sinalar que não se quer interferir no julgamento do mérito
dos recursos dos clubes apenados no pleno do Superior Tribunal de
Justiça Desportiva da CBF, órgão legalmente dotado de autonomia e
independência. Também não se advoga aqui alimentar-se a impunidade
desportiva ou promover-se a aplicação torcida e distorcida do CBJD.
Por outro lado, não se pode fazer tabula rasa do art. 30 do Código
Disciplinar da FIFA – CDF, em face do qual "pueden deducirse a un club
puntos de los obtenidos en el campeonato en curso o en un campeonato
futuro". Este ditame do CDF (art. 30) quadra-se dentre as disposições
vinculantes, de adoção obrigatória pelas Associações Nacionais filiadas à
FIFA, consoante se lê no art. 146, incisos 3 e 4 do mencionado CDF.
Este cogente dispositivo do CDF fundado no propósito de unificação,
em sede de matéria disciplinar do futebol, há de ser adotado, observado
e garantido por todos os entes nacionais dirigentes – associações e
confederações nacionais -, sob pena de sanção de multa, sem prejuízo
de aplicação de outras apenações adicionais (art. 146.5 do CDF).
Antes que se venha arguir tartar-se de legislação alienígena e
configuradora de ofensa à soberania nacional, exigindo ser previamente
recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro, veja-se a dicção do
art. 1º, § 1º, da Lei 9.615/98, verbis:
"Art. ………
§ 1º A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais
e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada
modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de
administração do desporto."
A propósito, J.Y. Plovin já assinalou: "É notório que por intermédio
das Federações Internacionais, um conjunto de regras e normas acaba
por se impor às nações" (in Gazette du Palais, Paris, 1977, p. 2.450). Vale
dizer, esta absorção envolve tanto as regras de jogo do futebol, quanto
as normas promanadas das Federações Internacionais em seus
Estatutos, Regulamentos e Códigos.
Dentro deste quadro delineado, e, considerando que o
Campeonato Brasileiro de 2013 já integralmente concluído, tais
julgamentos dos recursos interpostos têm duas alternativas:
a) julgar improcedentes as denúncias formalizadas pela Procuradoria
Geral do STJD, tornando imodificada a classificação final, sem
quaisquer repercussões nas disputas de 2014; ou,
b) acolher tais denúncias e confirmar as condenatórias e unânimes
decisões da primeira instância, importa em alterar e subverter a
classificação final de alguns clubes, com traumáticos
rebaixamentos advindos das decisões do STJD.
Admitindo-se que haja a concretização apenatória da hipótese "b" -com modificação da classificação após a rodada final, em razão dos julgamentos realizados -, sugere-se que o STJD ouse aplicar a modelação temporal dos efeitos punitivos
de tais julgamentos, postergando para o Campeonato Nacional de 2014, a dedução de pontos dos clubes
apenados. É preciso que o STJD, com destemor, utilize a lógica de
"pensar o múltiplo, sem com isso reduzi-lo à alternativa binária". Ou
seja, em decorrência de já estar concluído o Brasileirão/2013, com lastro
no cogente art. 30 do Código Disciplinar da Fifa, e, diante de situações e
resultados desportivos consolidados, não se vislumbra a mais mínima
injuridicidade de aplicar-se esta norma do CDF, ex vi do art. 1º, § 1º, da
Lei Pelé e supedâneo em "normas internacionais aceitas em cada
modalidade" (art. 283 do CBJD).
Sabemos todos que nenhum caminho jurídico é pavimentado
apenas com flores, pois, sempre há pedras e obstáculos a serem
transpostos.
Reponto aqui dois pertinentes problemas que foram
levantados e merecem ser enfrentados. O primeiro óbice estria no art.
2 º do CDF, quando assinala que "a aplicação do presente código
estende-se a todas as partidas e competições organizadas pela FIFA". Ou
seja, há quem considere que, em face deste ditame, a delimitação do
âmbito material de aplicação do CDF está adstrita a jogos e competições
da FIFA. Ocorre que o texto não veda e nem exclui sua incidência em
partidas e competições na esfera nacional. Outrossim, quando o art. 146
do CDF explicita um conjunto de ditames vinculantes e obrigatórios para
Associações Nacionais, acaba por ampliar seu raio de incidência inclusive
para jogos e competições nacionais.
O segundo óbice exsurgiria do art. 283 do CBJD, quando, de fato,
dispõe que "os casos omissos e as lacunas deste Código serão resolvidos
com a adoção dos princípios gerais de direito, dos princípios que regem
este Código e das normas internacionais aceitas em cada modalidade…".
Este texto pode gerar a compreensão de que tanto o princípio pro-competitione, quanto a aplicação de normas internacionais do CDF, somente teriam aplicabilidade, em caso de omissão ou lacuna do CBJD.
Note-se que não há menção à proibição ou à impossibilidade de se
utilizar os princípios do CDF e a normas internacionais, mesmo quando
existem normas do CBJD sobre a matéria. Registre-se que os princípios,
como "mandamentos de otimização", ajustam-se às normas de modo a
permitir sua aplicação em sintonia com os valores encampados pelo
próprio princípio, servindo de critério norteador de uma prestação
jurisdicional desportiva adequada. Outrossim, as normas internacionais
do CDF, enquanto cogentes, são aplicáveis no plano nacional, mesmo
quando não se trata de colmatar lacunas e omissões do CBJD.
A par dos fundamentos jurídico-desportivos colacionados e
sugeridos ao STJD, dois aspectos fáticos e desatrelados dos
enquadramentos no CBJD não podem ser desconsiderados:
a) as fantasiosas, maldosas e inverossímeis versões de "arranjos"
engendrados para "salvar" e "rebaixar" clubes que circulam na
Internet e no mundo virtual estarão soterradas e dizimadas, de
vez, se adotada a linha decisória aqui alvitrada, reforçando a
credibilidade do STJD com mais um julgamento técnico, imparcial
e dotado de sensibilidade desportiva;
b) para o "povão", leigo em matéria jusdesportiva, o STJD estará
apenando de forma contraditória fatos da última rodada, posto
que, dois dos clubes – punidos pelos atos de barbárie de suas
torcidas, cumprirão suas apenações no Brasileirão de 2014,
enquanto dois outros – sancionados por uso irregular de atletas,
sofrerão efeitos retroativos na já concluída competição de 2013.
Por tudo isso, afigura-se importante dar-se concretude à
modelação ou mitigação dos efeitos temporais das decisões
jusdesportivas do STJD, no intuito de salvaguardar a segurança desportiva
das competições findas, de prestigiar o princípio da pro-competitione (art.
2º, inci. XVII do CBJD) e de evitar uma possível proliferação de demandas
judiciais. Aliás, o ajuizamento de ações e as "aventuras judiciais" na
Justiça Comum por torcedores, clubes apenados, ONG's, entes
associativos e/ou "laranjas" que, com liminares e cautelares,
provavelmente retardarão o inicío das competições nacionais, e/ou
incluirão ou excluirão equipes na e da série A, ensejando uma nova
versão do "caso Gama", com outras cores, dissabores e impasses, alguns
talvez incontornáveis. Desse modo, quaisquer dessas hipóteses
conduziria o futebol brasileiro à anarquia e ao caos, pondo em risco a
realização das competições nacionais programadas para 2014, ano da
Copa do Mundo.
É hora do STJD, sem endossar impunidade desportiva, sem violentar
o CBJD e sem ficar aferrado a míopes interpretações literais do Codex
desportivo, despir-se de qualquer influxo de bairrismos, interesses e
paixões para encontrar o "ovo de Colombo" ou a tão procurada luz no
fim do túnel em prol do futebol brasileiro. Nada obsta que o STJD atue
como poder moderador e instância harmonizadora da ordem jusdesportiva, desde que não faça do CBJD um arcabouço jurídico-desportivo de conjuntura. Por sinal, estando o futebol em constante
devenir, é vital que o STJD reinvente-se na análise e julgamento de suas
desafiadoras demandas, torne-se menos monárquico e mais republicano
e faça justiça desportiva sem casuísmo, sempre e quando cabível a
adoção da modulação de efeitos pro futuro.
Pontue-se, alfim, que o STJD deve "jogar" seriamente o "jogo" do
Direito Desportivo, para usar-se as expresses de Canotilho. E, nessa
toada, parafraseando Stockton, seus integrantes hão de amarrar-se às
correntes da sanidade e razoabilidade jusdesportivas, para que não
morram por mãos suicidas em dia de frenesi, levando de roldão o
futebol brasileiro.
(*) Advogado. Professor com Livre-Docência em Direito Desportivo. Membro da FIFA, da
International Sport Law Association, da Comissão de Estudos Jurídicos Esportivos do
Ministério de Esporte e do IBDD. Autor de 56 livros jurídicos, sendo 28 na área do Direito Desportivo.
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