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'Negociação de Neymar foi para enganar', diz presidente do Grupo Sonda

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01/02/2014 06h00

O blog entrevistou José Barral, presidente do Grupo Sonda, ao qual a DIS, que detinha 40% dos direitos econômicos de Neymar, é ligada.

André Cury, empresário que participou da venda do atacante como representante do Barcelona, foi citado pelo executivo, mas disse ter sido orientado pelo Barcelona a não responder. O blog não conseguiu localizar Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, o Laor, presidente licenciado do Santos, que também aparece nas respostas de Barral. Já Neymar pai não atendeu ao celular.

Confira a entrevista.

 

Juridicamente, a empresa já tomou uma decisão?

A gente tem que discutir ainda com alguns advogados. A partir de segunda ou terça-feira teremos um caminho jurídico para dar. Tem algumas coisas traçadas, mas não posso falar ainda.

Qual sua opinião depois de todos os documentos apresentados sobre a venda de Neymar?

O meu sentimento… Vou te explicar a minha situação, primeiro, pra você entender. Sou presidente do grupo, um executivo da área de varejo. Vim para a empresa para profissionalizar, desenvolver o trabalho. O supermercado é o mais forte do grupo, mas tem outras empresas, uma delas é a DIS. Ela está sob a minha gestão, mas sempre deleguei o trabalho aos que estavam lá. A não ser em casos extremos. Nesse caso específico, sempre me envolvi, desde 2011. E desde lá você via que existiam situações erradas. Às vezes, é muito chato você ver um programa de televisão, e a DIS sendo criticada. O Luis Alvaro fazendo aquele espetáculo todo, dizendo que era o melhor presidente do mundo, e a gente sabia que a verdade era um pouco diferente. Mas a gente não tinha como provar. Por determinação minha, a empresa ficou calada esse tempo todo. Achava que a gente tinha que falar no momento certo. Esse momento iria existir, é o que aconteceu agora. Está claro que toda a operação que foi feita, foi simplesmente para alguém levar vantagem de alguma coisa que não tinha mais. O Neymar pai não tinha mais 40% dos direitos do filho, mas ele se achava no direito. Sempre ficou claro que ele não respeitava nada do que foi colocado no contrato. E naquele momento específico ele teve o apoio do Luis Alvaro.  Naquele momento em que o Luis Alvaro reduziu o contrato, deu brecha pra ele [pai]. Agora [Luis Alvaro] declara que o pai  exigiu isso e aquilo, mas na época ninguém falava isso. Ele era um pai fantástico, o grande parceiro do Santos para manter o Neymar no Brasil. A verdade veio à tona. Fica claro que a negociação foi feita para enganar as partes.

Você tem convicção de que foi feita para enganar?

Para enganar a DIS com certeza. Não sei o Santos, quem responde pelo clube é que pode falar. Agora pra mim o Santos é conivente quando o presidente assina aquele documento [autorização dada em 2011 para Neymar negociar com outros clubes]. Há uma conivência em relação às atitudes tomadas pelo Neymar pai. Como executivo aprendi que ninguém delega nada a ninguém sem saber o que é. A autorização que foi dada, Odílio [Rodrigues, presidente em exercício do Santos] diz que foi dada porque o pai do Neymar pressionou. Mas por qual motivo o Santos não falou isso no momento em que aconteceu? A única busca que eu tenho é recuperar o prejuízo e consertar nossa imagem de empresa séria, não estamos querendo prejudicar o futebol.

Quais os principais fatores que te dão certeza de que a negociação foi feita pra enganar a DIS?

Vamos imaginar que você tem uma sociedade. Tem pessoas que participam da sociedade e você tem que comunicar seus sócios sempre. A DIS, como parceira do Santos, nunca foi comunicada, consultada. Nem na antecipação do final do contrato do Neymar [de 2015 para 2014] e nem no processo de transferência. O Santos nunca procurou a DIS. Quando você vê isso, vê que já tinha algo programado para fazer alguma coisa indevida. Por contrato, o Santos e o Wagner Ribeiro [empresário de Neymar] e o Neymar tinham a obrigação de comunicar a DIS. Isso desde a época da antecipação do contrato. Quando você vê isso, imagina que tem algo inadequado. E a gente teve a certeza de que não estava adequado quando, posteriormente, o André Cury nos procurou com uma oferta complementar, além daquilo que a gente tinha recebido. Então você imagina que alguma coisa não tá legal.

O que a DIS tinha feito quando foi procurada pelo Cury?

Tinha entrado com uma ação de apresentação de documentos. A DIS já tinha feito outra coisa. Em 2012, entregamos uma carta para questionar o Barcelona se já existia algum negócio com o Neymar. O Barcelona responde em carta timbrada, em dezembro de 2012, que não tinha nenhuma negociação. Hoje está provado que já tinha.

O que o André Cury disse pra vocês?

Ele chega com um cartão de representante do Barcelona na América Latina. Diz que o Barcelona quer ficar tranquilo na relação com a DIS, então teria que fazer alguma coisa a mais para a empresa. Isso depois de ter feito o negócio. Só que ele veio com uma proposta que a gente não aceitou. Eu estava fazendo a minha conta em cima de 57 milhões de euros, que é o que Barcelona tinha dito que pagou. Ele começou oferecendo 4 milhões de euros e chegou a 6 milhões. Eu disse que menos de 12 milhões, fora os 6,8 milhões que a gente tinha recebido, não aceitava. Então o André falou: 'mas aí vocês vão perder'. Eu respondi: 'na hora certa a gente vai receber".

Como você interpretou essa oferta?

Interpretei que tinha alguma coisa errada no negócio. Ninguém procuraria o outro se estivesse tudo certo.

Seu cálculo é de que a DIS tem direito a mais quantos milhões na negociação?

Se o valor é 86 milhões de euros, porque uma hora o pai diz que é salário, outra hora é outra coisa, mas se o valor é 86 milhões, eu tenho direito a 40%. Então tenho direito a 34 milhões. Já recebi 6,8 milhões de euros e tenho direito à diferença. Mas a pergunta é qual é o valor real? Acho que ninguém sabe. Existe o aspecto do imposto de renda, quem pagou imposto, quem vai pagar, se esse valor foi livre de imposto. Hoje, a transação de acordo com o Barcelona é de 86 milhões. Agora, [o pai] diz 'recebi 8 milhões de euros para agenciar jogadores menores'. Isso é máscara de contrato, na minha opinião.

Na sua conta, a DIS tem direito a 40% desses 8 milhões de euros?

Tem. Tem sobre tudo o que não for salário. Tem direito a mais ou menos mais 27,8 milhões de euros [40% de 87 milhões menos 6,8 milhões já recebidos]. Fora outras coisas que podemos questionar, como perdas e danos. Quanto vai valer o Neymar em 2015, que é quando terminava o contrato original? E isso depois da Copa.

Vocês pensam em entrar com uma ação de perdas e danos?

Sim.

Pelo fato de ele sair antes?

Sim porque o contrato original foi alterado. É essa alteração de contrato que nós vamos contestar.

Você disse que o Neymar pai sempre mostrou que não respeitava o contrato…

Acho que o interesse dele sempre foi  ganhar muito dinheiro. Isso o próprio Laor agora falou, disse que ele é insaciável. O que posso dizer é que ele [Neymar pai]  nos procurou em 2011 pra comprar os 40% oferecendo  8 milhões de euros e chegando a 12 milhões. Mais ou menos na época em que aconteceu o acordo inicial com o Barcelona. Hoje nós sabemos que foi na mesma época, a gente não sabia de onde vinha o dinheiro. Talvez ele já estivesse fazendo conta do que iria receber.

Vocês chegaram a perguntar antes disso tudo para o Neymar pai se ele tinha negociado com o Barcelona?

Em 2012 notificamos o Barcelona, Neymar e o Wagner Ribeiro perguntando isso, mas eles não responderam. Foi antes da notificação em dezembro de 2012 para o Barcelona que foi entregue pessoalmente.

De que forma você define o Santos como parceiro?

O Santos não foi parceiro, em momento algum. Um parceiro estaria nos informando. Desde que o Luis Alvaro assumiu, essa parceria nunca aconteceu. Na colocação do Laor, a DIS era especuladora. Se você relembrar a saída do Ganso para o São Paulo, ela mostra que não éramos para eles os parceiros ideais. Mas éramos na gestão do Marcelo Teixeira, quando eu nem estava na empresa. O Delcir Sonda ofereceu para ser também na gestão do Laor, mas ele não quis. Interessante que quis com outra empresa. Isso reforça que quando a coisa não começa bem não vai acabar bem.

Por falar em não acabar, essa briga tem tudo para levar anos até acabar. Vocês esperam ou aceitam um acordo?

Não sei, vai depender de como andar o processo. A empresa quer recuperar o que ela tem direito a receber, ponto. É muito cedo para falar se existe possibilidade acordo, nem começou a brincadeira.

Existe chance de uma ação em conjunto com o Santos para tentar receber esse dinheiro?

Nesse momento não. Até porque tenho que questionar o Santos também. Em relação à carta autorizando o Neymar a negociar, por não nos comunicar da alteração do contrato. Mas o mundo dá muita volta, vamos ter que analisar no tempo certo.

A empresa se sente enganada por quem? Pelo pai do Neymar? Pelo Barcelona? Pelo Santos?

Por todo mundo. Se você olhar o cenário dessa batalha, no bom sentido, todos nos enganaram. Uns mais, outros menos. O Barcelona sabia desde o início que tínhamos 40% dos direitos econômicos. O Santos e o Neymar também.

O que mais causou estranhamento para a DIS foi a antecipação do contrato?

Na Europa você vê alongamento de contrato. Adiantamento de contrato nunca vi. Não entendo isso. Existia uma inteligência maior. Se você voltar uns dois anos atrás, o presidente do Santos era o cara que mais aparecia em programa de televisão, o grande presidente do futuro, o novo modelo de gestão. Taí o novo modelo de gestão. Gestão é séria ou não é séria. Eu sou dirigente de empresa. Tenho que entregar resultado no final. Qualquer outra coisa que eu invente… Quando você começa a querer aparecer mais do que a empresa ou do que o clube… No Santos existiam três estrelas: o Neymar, o Ganso e o Laor. Só que o Laor nem jogava bola. O Luis Alvaro tomou a crônica de São Paulo de uma maneira que ele era idolatrado. Isso maquiou tudo o que aconteceu depois. Não estou discutindo culpa ou não dele, mas aquilo que foi montado midiaticamente fez com que tudo isso acontecesse. Talvez, se fosse uma gestão como deve ser num clube, nada disso tivesse acontecido. Não teria abertura para essas exigências do pai, como disse o Luis Alvaro. Como você recebe uma proposta para vender o jogador por 66 milhões de euros para o Real Madrid e não vende?

O que o Santos alegou para a DIS ao rejeitar essa oferta do Real?

Alegou que tinha um projeto e que todo mundo ganharia mais depois.  Nós não ganharíamos mais e não ganhamos.

Qual sua opinião sobre os amistosos entre Santos e Barcelona como parte da venda do Neymar?

Só encenação para justificar contrato. No segundo amistoso, [o Santos] não tem obrigação de fazer, mas o Barcelona paga do mesmo jeito.  Você acha que existe isso? Minha visão é clara: foi tudo bem montado, nessa parte o Santos sabia. É aquela história, quem engana também pode ser enganado. O Santos, de uma certa maneira, enganou a DIS, recebendo por acordo nas categorias de base, com amistosos e a gora se sente enganado pelo pai do Neymar. Muito engraçado isso. Virou um circo. E a gente não sabe o que mais pode aparecer. Será que o filme já acabou?

O que mais te chamou atenção nessa negociação?

Falta de respeito, de postura e de seriedade no negócio. Em relação a todas as outras partes envolvidas.

Consegue definir essa negociação toda em uma palavra?

Em uma palavra não. Um termo que tenho usado: esse é o futebol?  É o futebol que gosto? Sou um apaixonado por futebol, mas esse é um questionamento que  tenho feito. Você olha o futebol que um garoto como o Neymar joga e aí vê tudo isso por trás. O que está por trás do talento é que é o problema.

A DIS parou de investir em jogadores?

Não, estamos reestruturando o modelo de gestão do negócio.  O Delcir é apaixonado por futebol e não quer sair do futebol. Então fizemos um acordo, vamos organizar o negócio.

O blog teve acesso à carta em que o Barcelona nega existir negociação com Neymar em 2012,um ano depois de firmar acordo com os pais do jogador

O blog teve acesso à carta em que o Barcelona nega existir negociação com Neymar em 2012,um ano depois de firmar acordo com os pais do jogador

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.