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O dia em que Pelé não ajudou presos políticos e se disse contra o comunismo

Perrone

10/09/2014 13h15


Em 21 de outubro de 1970, Pelé já era admirado internacionalmente como tricampeão mundial. E o general Emílio Garrastazu Médici, presidente do Brasil entre 1969 e 1974, já era temido como comandante do período da ditadura militar que ficaria conhecido como o mais repressivo do regime. Naquela data, oito presos políticos trancafiados em Santos assinaram um dramático apelo por sua liberdade escrito em 60 linhas. Foi caprichosamente feito para ser entregue a Edson Arantes do Nascimento. O grupo solicitava que o Rei do Futebol usasse seu prestígio para pedir que Médici concedesse a eles indulto presidencial a fim de que não precisassem cumprir o restante da pena. Eles tinham sido condenados em 1969.

Pelé não atendeu ao pedido, e a carta ainda foi parar nas mãos da polícia da ditadura. Está preservada no Arquivo Público do Estado de São Paulo, que guarda os documentos do Dops e do Deops, duas nomenclaturas da Delegacia (Estadual) de Ordem Política e Social.

O episódio rendeu uma conversa tête-à tête entre policiais que serviam à ditadura e Pelé, conforme mostram arquivos do Deops pesquisados pelo blog, que publica a partir de hoje  reportagens baseadas em documentos lá guardados. Relatório arquivado como informação 278/70 registra que Pelé, ao desassociar sua imagem dos presos, afirmou ser contra o comunismo e alheio à convulsão política vivida pelo país naquela época.

"Esclareceu ainda o esportista que, durante jogos que realizou no México, Colômbia e Bogotá foi assediado por comunistas para assinar manifestos contra o nosso governo, com o que não concordou por ser contrário ao comunismo", diz trecho do informe, datado de 21 de outubro de 1970 e que exibe o visto do Diretor Geral de Polícia do Dops, Orlando Barretti dado no dia seguinte.

O mesmo documento relata que Pelé se colocou à disposição para dar manifestações públicas sobre não estar engajado na luta contra o regime militar, que durou de 1964 a 1985. "[Pelé] asseverou ainda que somente se dedica ao esporte, não cuidando de problemas relacionados com a política e que até poderá fazer pronunciamento nesse sentido", diz trecho do relato da conversa entre o astro e os policiais. Não há, porém, registro das circunstâncias em que aconteceu o esclarecimento. Relato semelhante sobre a conversa foi enviado ao Serviço de Informação do Dops.

A investigação apontou que Pelé não chegou a ler a carta dos presos. A mensagem teria sido entregue a Júlio Mazzei, que foi preparador físico do Santos. "Tivemos oportunidade de conversar com Pelé a respeito do fato, e ele nos asseverou que nem sequer tomou conhecimento do teor do documento, que nos foi entregue pelo próprio Júlio Mazzei", diz outra parte do documento disponível no arquivo público.

A decisão de investigar o episódio envolvendo Pelé foi tomada pelo Dops após a imprensa noticiar que ele havia recebido a carta dos presos. Por isso, ele acabou fichado.

Segundo a investigação, às 15h30 do dia 20 de outubro, Pelé foi ao gabinete do diretor geral da delegacia do Derex (a sigla não é explicada no documento) para receber "a placa de automóvel número WA 1040 com a qual foi homenageado".

Cientes da presença ilustre no gabinete, presos que cumpriam pena no presídio local solicitaram uma conversa com Pelé. A reunião foi negada, mas o diretor do presídio, Roberto Almeida Vinhas, entregou a Mazzei o documento que o Rei assegurou não ter lido.

Levando-se em conta que realmente nunca passou os olhos pela carta, Pelé deixou de conhecer a história de oito homens ligados ao Sindicato de Refinação e Destilação de Petróleo de Cubatão. Na mensagem, eles solicitavam "um pouco de carinho e boa vontade na solução de nosso problema".

Gelazio Ayres Fernandes, Ubirajara de Araujo Franco, Nelson Azeredo Coutinho, Osvaldo Ayres Fernandes, Adiston Soares Dias, Mauro Cunha, Farid Sfitt e Joseilson A. Silveira assim escreveram para Pelé:

"Pedimos que V.Sa. se empenhe junto ao Exmo. General Emílio Garrastazu Médici, presidente da República do Brasil, na concessão de um indulto para o restante da pena". Eles argumentavam que foi aberto processo contra o grupo por terem sido eleitos para cargos no sindicato. E se definiam na carta como homens "sem mácula criminal" e que "também vibramos e sofremos com a espetacular vitória do Brasil na última Copa".

"Este é o nosso pedido angustiante, Edson Arantes do Nascimento, incomparável Pelé. Confiamos no seu alto espírito de humanidade, assim como acreditamos no espírito de justiça do presidente Médici. Por favor, leve a S. Excelência nossas aflições, preocupações e problemas. Deus proteja você e seus familiares", escreveram os presos para finalizar o documento.

Quarenta e quatro anos após o pedido em vão, um dos signatários da carta, Ubirajara Araújo Franco, escreveu no Portal de Noticias da Federação Nacional dos Petroleiros que foi condenado a quatro anos, em 1969, e que saiu em janeiro de 1971, após cumprir um terço da pena. Ou seja, sem o indulto desejado. O relato, escrito para marcar os 50 anos do golpe de 1964, não cita Pelé.

José Fornos Rodrigues, o Pepito, assessor pessoal de Pelé afirmou ao blog que ele não se lembra do episódio.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.