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Del Nero conquista cartolas nacionais. Falta conquistar os da Fifa e Dilma

Perrone

16/04/2015 06h00

O chefe chega, cumprimenta friamente os funcionários, nota quem não está no local de trabalho e faz com que sua observação seja notada. Já em outra sala, continua objetivo, mas é acessível e solícito com os presidentes de federações estaduais, seus eleitores.

De acordo com quem já trabalhou com ele e segundo dirigentes de entidades estaduais ouvidos pelo blog, assim é Marco Polo Del Nero, que assume hoje a presidência da CBF.

"Del Nero e Marin conseguem resolver rapidamente os problemas das federações. Antigamente, a burocracia era maior. Agora, o que o Del Nero não pode solucionar ele encaminha e consegue a resposta rapidamente. Foi assim quando pedimos que a Copa do Nordeste desse uma vaga na Sul-Americana. Ele disse que conseguiria, e logo conseguiu". O relato é de Ednaldo Rodrigues, presidente da Federação Baiana e ex-opositor de Del Nero.

Banquete

No papel de vice da confederação, mas considerado como o presidente de fato pela maioria dos dirigentes nacionais, Del Nero aniquilou a oposição, que já era pequena.

O jeito atencioso é só uma das armas usadas pelo cartola para minar as resistências. Nenhum presidente de federação admite, mas claro que a melhoria nos mimos oferecidos a eles pela confederação ajudou a aumentar a popularidade de Marco Polo. A começar pelo aumento nas verbas repassadas às entidades estaduais.

As festividades de posse indicam como Del Nero e Marin têm tratado os demais cartolas. Os convidados já começaram a chegar na quarta-feira ao Rio, com praticamente tudo pago, incluindo despesas de acompanhantes, e podem deixar a cidade na sexta. Isso já acontecia na era Teixeira, mas a qualidade da boca livre melhorou. O jantar de ontem, por exemplo, foi marcado para o restaurante Duo, na Barra, mais requintado dos que o ex-presidente costumava reservar.

Mas, se no tratamento dispensado às federações Del Nero já goleia Teixeira, no quesito influência na Fifa ele perde. Um dos desafios do novo chefão da CBF é ser mais ouvido na federação internacional para, principalmente, defender os interesses da seleção brasileira.

Membro da delegação do time nacional no Mundial do ano passado e que pediu para não ser identificado, disse ao blog que solicitações como mudanças na programação de treinamento da seleção, por exemplo, não foram atendidas. Del Nero também é criticado nos bastidores por supostamente não ter o mesmo trânsito que RT tinha junto à arbitragem, já que foi vice-presidente do órgão da Fifa que cuida dos juízes.

O recente pito dado pela entidade internacional na FPF, comandada até esta quinta por Del Nero, mostra essa falta de articulação. A federação estadual precisou cancelar o contrato com a patrocinadora do Palmeiras, a Crefisa, para bancar a arbitragem nos mata-matas do Paulista. Fosse o diálogo melhor, talvez o acordo nem tivesse sido assinado, já que fere as regras da Fifa.

Del Nero é membro do Comitê Executivo da Federação Internacional, mas não fala inglês, o que certamente dificulta o relacionamento. A língua, no entanto, não pode ser considerada a culpada para outra comunicação ruidosa enfrentada pelo poderoso dirigente. Ele não consegue se aproximar de Dilma Rousseff. Nem o fato de ter escalado um político profissional (Walter Feldman) para ser secretário-geral da Confederação Brasileira, e de ter como sócio Vicente Cândido, deputado federal petista, fez com que ele se aproximasse da presidente.

Feldman é um dos integrantes da turma de paulistas que começou invadir a praia carioca na CBF ainda na administração de Marin. Isso enquanto funcionários e cartolas da era Teixeira eram varridos do prédio, aos poucos.

O secretário-geral e outros cartolas, como Rogério Caboclo, diretor financeiro, vão aparecer nas entrevistas provavelmente com mais frequência do que o presidente, servindo de escudo para ele. E a reação dos dirigentes de clubes cariocas ao domínio do sotaque paulista na entidade instalada no Rio é uma incógnita.

Com Rubens Lopes, presidente da Federação do Rio, Del Nero hoje mantém boa relação, indício de afinação com Eurico Miranda. O vascaíno é aliado do comandante da Ferj.

Investigação da PF em curso

Desafios, porém, não costumam assustar o namorador cartola, que parece ter sete vidas. Ele já superou momentos pra lá de críticos. Em 1976, chegou a ser indiciado sob a acusação de receptação, como revelou o Blog do Rodrigo Mattos.

Na ocasião, atuando como advogado, defendia um acusado de assalto a mão armada e estava com veículo que teria sido comprado por seu cliente com dinheiro obtido por meio de crime. O carro seria vendido para que Del Nero recebesse seus honorários. "A decisão foi de absolvição em única instância", lembrou o dirigente ao blog.

Em 2006, ele era chefe da delegação da seleção brasileira marcada pela bagunça na fase de preparação em Weggis, na Suíça. Saiu sem um arranhão, pois seu nome quase nunca foi citado na imprensa como um dos que poderiam ter evitado a algazarra.

Também escapou de ver o projeto de presidir a CBF ruir com a derrota brasileira por  7 a 1 para a Alemanha graças a uma manobra que antecipou a eleição para antes do Mundial, evitando respingos do fracasso em sua candidatura. "Ele cria as condições para alcançar seus objetivos. Admiro pessoas assim. Quando era presidente do TJD já dava para ver que tinha ambição de presidir a Federação Paulista", disse Carlos Bernardo Facchina Nunes, ex-presidente do Palmeiras.

No comando da FPF, Del Nero protagonizou o caso Madonna, em 2008, pelo qual cumpriu suspensão de 90 dias e depois foi absolvido pelo STJD por levantar suspeita de tentativa de suborno a Wagner Tardelli, juiz de Goiás x São Paulo na última rodada do Brasileirão. O envelope suspeito não teria dinheiro, mas ingressos para um show de Madonna no Morumbi. Nenhuma manobra para manipular a arbitragem foi provada.

Há ainda a operação Durkheim, na qual Del Nero teve computador apreendido pela Polícia Federal numa investigação sobre quebra ilegal de sigilo telefônico, bancário e fiscal. O dirigente alegou na ocasião que havia contratado detetives para investigar sua namorada à época, Carolina Galante, a única após seu casamento pela qual disse a amigos estar apaixonado.

O caso na PF não está encerrado. A assessoria de imprensa da Polícia Federal disse ao blog que o inquérito no qual Del Nero está envolvido ainda não foi relatado, pois faltam perícias em computadores apreendidos durante a operação.

Ao contrário do trabalho dos policiais, o romance com Carolina chegou ao fim, e o cartola passou a desfilar com jovens beldades. Não está nem aí para o que falam sobre a diferença de idade entre ele e elas. É uma demonstração do estilo "deixe que falem" a ser implantado pelo novo presidente da confederação. Ele toca os seus planos sem ligar para repercussões negativas.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.