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Como repetição da final de 1977 em SP explica mudanças no futebol do Brasil

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29/04/2017 12h59

Quarenta anos após a épica final do Campeonato Paulista de 1977, Corinthians e Ponte Pretafazem um reencontro na decisão do estadual marcado por diferenças que ajudam a entender o que aconteceu nas últimas quatro décadas com o futebol brasileiro. Confira abaixo.

Debandada de jovens talentos e força de empresários

Em 1977, a Ponte Preta chegou à final com vários destaques formados em casa e que fizeram história no clube, antes de vingarem em times maiores e até na seleção.

Em 2017, a Macaca tem entre seus principais nomes jogadores formados fora de Campinas. Alguns devem sair depois do Paulista, como Clayson, desejado pelo Corinthians, e Pottker, acertado com o Inter. Outro nome importante é o de Lucca, emprestado pelo adversário na final. O goleiro Aranha foi formado em casa, mas rodou antes de voltar ao time.

Na Ponte de 1977, Carlos, Oscar, Polozzi e Dicá, por exemplo, iniciaram a carreira profissional na Macaca e fizeram mais temporadas pela equipe depois de se destacarem no ano do vice-campeonato estadual.

A diferença entre passado e presente explica como os clubes brasileiros, não só os do interior, passaram a se desfazer de seus jovens talentosos muito cedo. Ninguém consegue segurar craque como há 40 anos.

O futebol ficou mais caro, o dinheiro rareou e os estrangeiros passaram a monitorar as promessas brasileiras desde cedo.

Tal situação costuma ser embalada por discussões acaloradas sobre o efeito que a Lei Pelé teve nos clubes brasileiros. Ela acabou com o passe, que ajudava os times a prender seus jogadores, deu lugar à multa contratual e valorizou o direito econômico, que passou a ser adquirido por empresários como joia. Eles ganharam poder diante dos clubes. Porém, agora estão proibidos de fazer essas aquisições por regras da Fifa. Muitos se associaram com times que mal jogam ou compraram agremiações para manter os rendimentos.

Local do último jogo explica de briga à Copa e Lava Jato

Em 1977, os três jogos da decisão foram no Morumbi. Na ocasião a Ponte topou atuar fora de Campinas por uma renda melhor. O alvinegro da capital não tinha estádio e a casa do São Paulo era adotada com naturalidade em grandes jogos. Agora serão dois confrontos. O primeiro será no Moisés Lucarelli e o segundo na Arena Corinthians.

A situação mudou porque a equipe paulistana, na gestão de Andrés Sanchez, entrou em rota de colisão com o São Paulo.

Como parte da briga, o então presidente corintiano trabalhou para tomar do Cícero Pompeu de Toledo o posto de favorito a palco de abertura da Copa de 2014 com a construção da arena corintiana.

No lançamento do projeto, o ex-presidente Lula foi ao Parque São Jorge fazer discurso como um dos mentores da obra. Agradeceu a Emílio Odebrecht por topar o negócio. Hoje, a história de como nasceu a Arena Corinthians está registrada nos volumosos arquivos da Lava Jato, maior operação de combate à corrupção no país. A investigação escancarou as relações inescrupulosas entre políticos e donos de construtoras.

Sanchez foi citado em delação premiada de Marcelo Odebrecht, segundo a Follha de S.Paulo, como recebedor de dinheiro de caixa 2 para sua campanha a deputado federal. Ele nega. Existem também registros em planilhas da Odebrecht que indicam suspeitas de pagamentos de propinas referentes à arena alvinegra, o que Andrés também diz não ter acontecido.

Sem invasão corintiana

Um ano antes da final lendária contra a Ponte, a Fiel protagonizou um dos maiores momentos de sua história ao invadir o Rio e dividir o Maracanã com a torcida do Fluminense na semifinal do Brasileirão.

 Isso não vai acontecer amanhã porque o procedimento de divisão de ingressos começou a mudar em 2009, quando Juvenal Juvêncio decidiu dar apenas 10% dos bilhetes disponíveis  para o Corinthians como visitante contra o São Paulo. "É uma tendência, é inexorável", disse o presidente são-paulino na ocasião.

 A decisão gerou a reação corintiana de não jogar mais no Morumbi (citada acima) e com o tempo se tornou regra no país. Para a partida de abertura da final, a diretoria da Ponte diz ter cedido 2.200 ingressos aos adversários por receber a mesma carga para a finalíssima na Arena Corinthians.

Decadência de técnicos experientes

Quando Corinthians e Ponte Preta se enfrentaram em 1977, no comando do time da capital estava o veterano Osvaldo Brandão. Havia sido com ele o último título conquistado pelo Corinthians, o Paulista de 1954. O treinador retornou ao Parque São Jorge e tirou o clube da fila.

Em 2017, quem segura a prancheta corintiana é Fábio Carille, que disputa sua primeira temporada desde o início como técnico de um time profissional.

 A presença do novato explica o que aconteceu com parte dos treinadores mais experientes do Brasil nos últimos anos. Eles perderam prestígio, principalmente após a derrota por 7 a 1 da seleção para a Alemanha na Copa de 2014 com Felipão no comando.

 Os mais antigos ficaram com rótulo de desatualizados e perderam espaço para jovens com salários mais baixos e pinta de atualizados, como Jair Ventura (Botafogo), Rogério Ceni (São Paulo) e Zé Ricardo (Flamengo). Virou moda técnico brasileiro visitar clube europeu e se esforçar para mostrar ser moderno.

Mecenas

Há 40 anos, a Ponte tinha um dos times mais fortes do País. Sua trajetória de 1977 para cá simboliza em parte o que aconteceu com a maioria dos clubes do interior do país. A Macaca quase faliu e foi rebaixada até no Campeonato Paulista.

A recuperação dela também indica o modo de sobrevivência de muita equipe de menor porte: a ajuda de um mecenas. Sérgio Carnielli, no caso da Ponte.

De acordo com a Folha de S.Paulo, o clube deve R$ 102 milhões para ele, que é presidente de honra. E não são só os times menores que recorrem à ajuda de endinheirados apaixonados. Paulo Nobre chegou a colocar no Palmeiras R$ 180 milhões enquanto era presidente do clube. O caminhão de dinheiro foi fundamental para recolocar o alviverde no topo do futebol.  A dívida com ele hoje é de cerca de R$ 60 milhões.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.