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Do olhar das viúvas à provocação com avião. A reconstrução da Chape

Perrone

25/04/2017 04h00

 

Pouco menos de cinco meses após o acidente aéreo que dizimou seu time, a Chapecoense celebra estar na final do Campeonato Catarinense, na qual enfrentará o Avaí. O caminho até a decisão foi marcado por dramas, desconfianças, 26 contratações de jogadores e até impiedosas provocações de rivais lembrando a tragédia. Detalhes dessa reconstrução foram contados ao blog por Rui Costa, diretor-executivo de futebol do clube e que vê a Chape pronta para chamar a atenção por seu projeto de reestruturação, não pela comoção causada pelo desastre.

 Abaixo, leia as principais declarações do dirigente.

Terra arrasada

"Nove de dezembro, quando cheguei, o ambiente era devastador, muito pesado. O clube não tinha perspectiva, não tinha esperança, havia desconfiança de que não conseguira se remontar. Era algo fora de cogitação imaginar que o time seria finalista do Estadual. A missão era ainda mais difícil para quem chegava de fora. A Chapecoense já era um time que representava a cidade, depois do acidente isso aumentou. As pessoas pensavam quem são estes caras? Eles vão fazer da Chapecoense uma equipe de amigos de novo, um time ligado à comunidade? Você está chegando para ocupar o lugar de alguém que morreu. A sua presença lembra a ausência de alguém e isso gera um desconforto nas pessoas. Nossa primeira meta era reconstruir o grupo. Em quatro meses, com a liderança do (Vagner) Mancini, com a capacidade de escolher lideranças positivas, jovens com ambição, conseguimos construir um ambiente no vestiário de amizade, semelhante ao que existia antes".

Recomeço com Camp Nou

"A apresentação foi muito emocional, muito pesada. Foi muito difícil porque não era só montar ume elenco, tivemos que remontar toda a equipe de trabalho, médicos, massagistas… A cada dia que o sol se punha pensávamos: 'só temos três jogadores e 15 dias para montar o time'. Foram mais de 90 jogadores mapeados, 50 selecionados, 26 contratados. No começo, havia desconfiança, você procurava um atleta e ele ficava na dúvida de acertar com um time que tinha só três ou  quatro jogadores. Teve gente que disse não por achar arriscado, por não saber se conseguiríamos montar um time. Usei muito a visibilidade que a Chapecoense teria, usei várias vezes a argumentação que jogaríamos no Camp Nou (estádio do Barcelona) e que jogar no Camp Nou pode mudar a carreira de um jogador brasileiro. Deu certo".

 

Viúvas

"O momento emblemático foi o primeiro jogo, o amistoso com o Palmeiras. As esposas dos jogadores (mortos) ficaram na frente do vestiário e elas nos olhavam de uma forma específica, não era um olhar de ravia, era um olhar de o que vocês estão fazendo aí (no lugar dos outros)? A gente representava a ausência dos maridos. Esse clima foi difícil, mas depois o vestiário foi ficando mais desportivo, entrando só quem está trabalhando. Conseguimos um equilíbrio entre o desportivo e o emocional, fazer esses caras (novos atletas) entrarem no coração da torcida. E fizemos os jogadores entenderem que a maior homenagem para aqueles que não estão mais aqui é vencer os jogos e transformar o projeto em algo saudado não por conta de uma tragédia, mas por conta de como se consegue superar um episódio dramático com profissionalismo. Ninguém quer 'coitadismo', a gente quer gerar atenção pelo projeto desportivo. A tragédia foi devidamente registrada. Lembrar disso em todo jogo pode atrapalhar os jogadores com o peso de representar pessoas que não estão mais aqui. Hoje, o torcedor da Chapecoense não vai ao estádio só pra prestar homenagens, ele torce, vaia".

Provocações

Preparamos os jogadores para enfrentar eventualmente piadas de mau gosto, como as que aconteceram no jogo com o Criciúma (a torcida adversária cantou: ão, âo, ão, abastece o avião). Teve um jogo no começo, não vou lembrar contra quem, em que alguns torcedores provocaram, cantaram algo sobre o avião e isso gerou muita indignação dos nossos jogadores. Gerou raiva, alguns não conseguiram controlar a indignação, e sentimos que isso abalou um pouco o time. Então conversamos com os jogadores, explicamos que isso poderia acontecer mais vezes, apesar de ser absolutamente irracional. Dissemos que precisamos focar no trabalho, e eles não se abalaram mais. Sempre que isso acontecer, vamos reagir de maneira institucional, pela diretoria. O jogador tem que se imunizar".

Futuro

Temos oito ou nove atletas com situações bem encaminhadas de permanência. Outros tantos com opção de compra. Então, temos possibilidade de manter 90% dessa equipe para 2018. Não fizemos um time para durar só até 2017. Não vamos ter que comprar mais 25 jogadores no ano que vem. Em relação ao (próximo) Campeonato Brasileiro, acredito que vai ser o mais difícil dos últimos anos. Então, se tivermos oportunidade de nos reforçar, vamos fazer isso".

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.