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Tragédia anunciada? Ex-ministro via acusações contra Nuzman como 'guerra'

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08/09/2017 04h00

Em entrevista ao blog, o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP), que foi ministro do Esporte entre 2006 e 2011, falou sobre a acusação de compra de voto para o Rio de Janeiro sediar a Olimpíada de 2016. Como integrante do governo, ele participou da candidatura e da preparação para o evento.

Blog do Perrone – Ficou surpreso com a acusação de compra de voto para assegurar a Olimpíada de 2016 no Rio?

Orlando Silva – Participei de toda a construção da candidatura do Rio. Aprendemos muito com as derrotas anteriores. Montamos uma equipe muito forte, em estratégia, em comunicação, para as instalações, em todas as áreas. Trabalhamos sempre o segundo voto (para ser a segunda opção dos votantes). Tanto que quando uma candidata saía (Tóquio e Chicago foram eliminadas preliminarmente), seus votos migravam para nós. Houve grande mobilização política. O presidente (Lula) foi pra Copenhague (local da votação), fez encontros biliaterais. O que eu vi foi uma campanha muito forte. Por isso vejo (as denúncias) com forte surpresa e estranheza. Espero que tudo seja apurado.

Blog do Perrone – As autoridades francesas chegaram a dados bancários que fundamentam a acusação de compra de voto, com a suposta participação de Carlos Arthur Nuzman (presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e do Comitê Organizador da Rio-2016), a partir de uma denúncia feita por Eric Walther Maleson, ex-membro do COB (Comitê Olímpico Brasileiro). No Brasil, Maleson fazia denúncias publicamente. Não dava para desconfiar de que algo errado estivesse acontecendo?

Orlando Silva – As autoridades desportivas têm autonomia, não podemos intervir (afastar Nuzman, por exemplo). Quem tratava com o Comitê Olímpico Internacional e suas federações era o Nuzman. Nós (governo) fizemos a nossa parte na preparação do projeto, assumimos responsabilidades, garantimos infraestrutura.  Sabemos que nas entidades esportivas existe muita guerra política, existem ataques mútuos por causa de política, várias acusações são feitas. Mas a gente não tinha nenhum sinal concreto.

Nota do Blog: Maleson é antigo desafeto de Nuzman.

 Blog do Perrone – Hoje, depois de a denúncia se tornar pública, acredita na versão da defesa de Nuzman de que ele não cometeu irregularidades? (O dirigente é acusado de ser o elo entre o grupo do ex-governador do Rio Sérgio Cabral e membros africanos do COI na suposta compra de voto).

Orlando Silva – Acredito na Constituição. Na presunção da inocência e no dever de se apurar todas as denúncias. O Estado deve apurar tudo com rigor.

Blog do Perrone – Trecho da denúncia feita pelo Ministério Público Federal do Rio diz que o grupo de Nuzman queria os Jogos para lucrar com obras. Diz também que obras anunciadas como legado olímpico, entre elas a reforma do Maracanã, renderam milhões em pagamentos de propinas. Você falava muito em legado olímpico quando estava no ministério. Como recebe essa acusação?

Orlando Silva –  Não dá para ser engenheiro de obra pronta. Erro de conduta pode ter em qualquer lugar. O que não pode ter é açodamento. Precisa ter uma apuração rigorosa para identificar culpados. Mas é preciso ter serenidade porque tem muita luta política envolvida. Quem perdeu leva para outro plano, diz que perdeu por causa de outros recursos. É preciso ter cautela.

Blog do Perrone – Você participou da viagem da delegação para a Nigéria, em 2009, quando teria havido negociação para a compra de voto, de acordo com a acusação. Nuzman teve algum encontro privado com  Lamine Diack (senegalês acusado de vender seu voto para o Rio)? Notou algo estranho nessa viagem?

Orlando Silva – Não tenho ideia se houve o encontro. O evento na África era para apresentar a candidatura, teve na Europa também. Não tenho memória de nada diferente.

Blog do Perrone – Na sua opinião, por que a maior parte do que deveria ser o legado olí­mpico não é aproveitada hoje? Qual foi o erro?

Orlando Silva – Tenho grande dificuldade para responder porque participei da definição da matriz de responsabilidade e depois saí do ministério, não acompanhei mais. Isso foi trabalho de outros ministros do governo que eu apoiei e prefiro não falar.

Blog do Perrone – Além do caso de suposta compra de voto para a Olimpíada no Rio, Ricardo Teixeira, José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, envolvidos com a Copa de 2014, também sofreram denúncias (relativas a outras atividades). Ficou surpreso?

Orlando Silva – Surpreso com o quê? Não acompanho os casos deles. Acho que a pessoa pública deve dar satisfações de tudo que faz. No futebol, que é tema de interesse difuso do Brasil, também deve ser assim. Acho natural que eles sejam cobrados. Se existe denúncia, deve ser apurada, com amplo direito de defesa.

Bog do Perrone – Tanto na Olimpíada como na Copa, acha que o governo deveria ser mais desconfiado em relação às intenções dos envolvidos, deveria ter sido mais atento?

Orlando Silva – Desconfiar é subjetivo, não podemos ser subjetivos. O governo tem instrumentos de controle, como TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria Geral da União). Às vezes eles são eficazes, às vezes não conseguem identificar os problemas.

Blog do Perrone – Talvez eu tenha me expressado mal. O governo não deveria ter melhorado seus mecanismos de controle antes de aceitar se envolver nas candidaturas desses grandes eventos?

Orlando Silva – Esses sistemas de controle carecem de aperfeiçoamento, mas se compararmos com 20 anos atrás, vamos ver que eles evoluíram muito. O fato de muitas coisas estarem vindo a público mostra essa evolução e que temos uma imprensa livre, que investiga.

Blog do Perrone – Diante das acusações, se arrepende de ter apoiado a Olimpíada e a Copa do Mundo no Brasil?

Orlando Silva – Talvez não tenhamos tirado proveito da chance de desenvolvimento do esporte. Mas posso dizer, como quem acompanhou o processo, que tivemos muita dificuldade. Quando você debatia infraestrutura da cidade, por exemplo, ela chegava sem coisas elementares. Fica a experiência. 

 

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.