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Carona em jato e contradições. O inquérito que envolve Mustafá e Crefisa

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21/03/2018 04h00

Uma história com desconfianças, supostas trocas de favores, viagens internacionais em jato particular e até um vilão misterioso. Esse é o enredo revelado pelos depoimentos colhidos pela Policia Civil que apura o suposto envolvimento de Mustafá Contursi em venda ilegal de ingressos para jogos do Palmeiras. O ex-presidente alviverde nega as acusações.

O blog teve acesso a sete depoimentos de testemunhas ouvidas pela DRADE (Delegacia de Polícia de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância Esportiva). Seis delas não ligam Contursi ao cambista que estaria envolvido no caso e ainda não teve sua identidade descoberta. O depoimento que coloca sob suspeita o que Mustafá fazia com os ingressos é o de Leila Pereira, dona da Crefisa e da FAM (Faculdade das Américas), patrocinadoras palmeirenses.

Uma das pessoas ouvidas afirma que Leila distribuía os ingressos para que sócios votassem nela para o cargo de conselheira do clube, o que não é confirmado pelas declarações da empresária aos policiais.

O blog não localizou na pasta sobre o caso no Fórum Criminal da Barra Funda o depoimento de Mustafá, mas obteve informações sobre as alegações mais importantes do cartola. Procurado, ele não atendeu aos telefonemas.

Abaixo, conheça os principais detalhes do inquérito.

Mustafá está envolvido ou não?

O caso foi parar na polícia a pedido do promotor Paulo Castilho depois de o Conselho Deliberativo palmeirense iniciar uma investigação.

À polícia, Seraphim Del Grande, presidente do Conselho Deliberativo, contou que tudo começou ao receber um telefonema de Leila. De acordo com seu depoimento, ela dizia ter sido procurada por Paulo Serdan, presidente da escola de Samba Mancha Alviverde. O torcedor, carnavalesco e conselheiro do clube teria contado que foi contatado pela sócia palmeirense Eliane de Souza Guimarães Fontana relatando que vinha sofrendo ameaças de um cambista que se dizia integrante da Mancha e para quem ela repassava ingressos cedidos pela Crefisa.

O presidente do conselho contou aos policiais que chamou Serdan para dar explicações e que ele confirmou o pedido de ajuda feito por Eliane para cessar as ameaças. O cambista estaria nervoso porque ela havia deixado de entregar para ele ingressos vindos da Crefisa.

No depoimento de Seraphim está escrito "que em momento algum o conselheiro Paulo Rogério (apelidado de Paulo Serdan) citou o nome do senhor Mustafá Contursi". Carlos Antonio Faedo, vice-presidente do conselho palmeirense, repetiu não ter ouvido o nome do ex-presidente ser pronunciado pelo membro da Mancha.

Também convocado a depor na polícia, Serdan praticamente confirmou as informações de Seraphim. Ele não citou Mustafá como fazendo parte da conversa com Eliane e disse desconhecer a relação entre a associada do clube e o ex-presidente.

O torcedor e membro do conselho palmeirense ainda contou que Eliane afirmou receber ingressos de Leila para distribuir  a conselheiros e associados. "Contudo, Eliane, dava alguns ingressos para um indivíduo que se dizia associado da Torcida Mancha Alviverde em troca de favores que o mesmo fez durante a campanha de Leila. Contudo, quando Eliane parou de receber os ingressos de Leila, aquele indivíduo passou a ameçar-lhe de forma insistente…", diz trecho do relato sobre o depoimento de Serdan no inquérito.

Pivô da confusão, Eliane contou aos policiais que recebia 20 ingressos dados por Leila por jogo. E que eles eram enviados à sede do sindicato de clubes presidido por Mustafá em envelope fechado, depois repassado a ela. Contou também  que o cartola recebia em outra embalagem 50 bilhetes. Ou seja, as entradas dadas a ela nada teriam a ver com as ganhas por Contursi, segundo sua versão.

Ela negou que tenha sofrido ameaças. Contou que, durante a campanha de Leila, recebeu o telefonema de um homem que se identificou como Anderson e pediu ingressos, alegando que votaria na empresária e conseguiria mais eleitores. Ele passou a receber três bilhetes por partida para levar familiares e conhecidos. Em julho de 2017, já passado o pleito para o conselho, ela parou de receber as entradas da Crefisa. Nesse momento, Anderson teria insistido em conseguir os bilhetes com seguidos telefonemas e mensagens. Por considerar seu interlocutor inconveniente, ela afirma ter pedido ajuda de Serdan para encerrar as cobranças.

Em suas declarações, Eliane não menciona Anderson como cambista e também nega que tenha recebido dinheiro dele pelos ingressos.

Comprovantes de entrega de ingressos da Crefisa para Mustafá anexados ao inquérito sobre suposto repasse a cambista

A versão de Eliane não bate totalmente com o depoimento de Leila. A dona da Crefisa disse que em meados de 2015 passou a enviar 70 ingressos por jogo para Mustafá, por solicitação dele e com a finalidade de serem entregues a conselheiros e sócios. A cortesia era feita em virtude do respeito que tinha pelo ex-presidente. Os bilhetes eram enviados para o sindicato. Ela não cita a cota de 20 entradas para a associada. Admite, porém, que em "poucas vezes, concedeu poucos ingressos, não mais que meia dúzia, a Eilane, a pedido do próprio Mustafá, ignorando por completo que aqueles 70 ingressos enviados a ele (Contursi) eram revendidos por cambistas."

Ela ainda contou que, certa vez, não enviou as entradas porque Mustafá estava hospitalizado. Então, Eliane ligou para cobrar. Em seguida, Contursi teria feito o mesmo.

Segundo a empresária, por conta de seu patrocínio ao clube, ela tinha direito a uma cota de cerca de 310 ingressos por jogo e ainda comprava mais 250 junto à construtora Wtorre. Os bilhetes, segundo afirmou Leila no depoimento, eram cedidos gratuitamente para clientes e funcionários a título institucional.

Trecho do depoimento no qual Leila Pereira explica cessão de ingressos para Mustafá

Ingresso por voto?

Eliane afirmou à equipe da DRADE que recebia 20 ingressos por jogo da dona da Crefisa para que fossem entregues a sócios para votarem em Leila na disputa pela vaga conselho.

Procurada pelo blog, a assessoria de imprensa da empresária respondeu à pergunta sobre a afirmação de Eliane com a seguinte mensagem: "Eram entregues ao sr. Mustafá Contursi 70 ingressos por jogo. Ele quem deve esclarecer como foram parar nas mãos desta senhora Eliane. Ele quem deve esclarecer para as autoridades essa suposta venda de ingressos que lhe eram entregues com protocolo. Esses 70 ingressos deveriam ser dados em cortesia para conselheiros e sócios."

Em depoimento, Paulo Serdan explica o que ouviu de Eliane

Quem vai ficar com Eliane?

Uma das dúvidas geradas pelos depoimentos é quem tem mais intimidade com Eliane, a protagonista da polêmica: Mustafá ou Leila?

Serdan, por exemplo, relatou que em todos os eventos em que Leila comparecia, Eliane estava junto. Porém, afirmou também que a empresária negou para ele que fosse amiga de longa data da associada, a quem, na ocasião, disse conhecer havia cerca de um ano. O primeiro encontro, segundo a dona da Crefisa, foi casual, em junho de 2016. Musatafá estaria almoçando com Eliane num restaurante e apresentou a amiga ao casal de patrocinadores.

A versão do almoço é confirmada pela sócia palmeirense, que relata ter sido apresentada para ajudar a empresária em sua campanha pela cadeira no conselho.

Na delegacia, Leila afirmou que, a seu ver, Eliane atuava como uma espécie de operadora dos interesses de Contursi.

Mas há pontos divergentes nos depoimentos.  A empresária diz que num segundo encontro Mustafá pediu que ela desse carona para Eliane em seu avião particular até os Estados Unidos para que a amiga dele pudesse visitar a filha que mora lá. Já a suspeita de envolvimento com cambista declara que foi Leila quem ofereceu um lugar na aeronave.

Eliane contou em seu depoimento que fez quatro viagens no avião da dona da Crefisa para Nova York. E que já na primeira reuniu um grupo de torcedores e um sócio do Palmeiras num restaurante para uma confraternização com a empresária e seu marido, José Roberto Lamacchia.

Pelas contas de Leila, segundo seu depoimento, foram oito caronas no jato para associada até os Estados Unidos, além de viagens para acompanhar jogos do Palmeiras. A empresária afirma que Eliane viajava a pedido de Contursi para passar informações ao cartola. A dona da Crefisa diz que a sócia do clube tratava mal funcionários palmeirenses e que chegou a falar com dedo em riste com um membro da comissão técnica.

Desconfiança

Entre suas declarações à polícia, Leila afirmou desconfiar que algo anormal acontecia com os ingressos cedidos para Mustafá porque seus funcionários começaram a receber ligações de torcedores querendo comprar bilhetes da Crefisa. A empresa alega que nunca colocou entradas à venda. Ela afirmou também que chamou atenção o fato de não receber ligações de agradecimento por parte de pessoas que teriam sido agraciadas com ingressos por meio do ex-presidente, diferentemente do que faziam outros beneficiados. Essas desconfianças e a cobrança que recebeu quando deixou de entregar as entradas para o ex-presidente fizeram Leila cancelar os repasses, de acordo com a versão da empresária.

Por sua vez, Eliane diz que começou a receber os bilhetes em novembro de 2016. E que em meados de julho de 2017, quando teria se encerrado o acordo entre Crefisa e WTorre por cadeiras centrais do Allianz Parque, a cortesia foi cortada.

Cambista misterioso

As testemunhas ouvidas no inquérito se referem ao suposto cambista de quatro formas diferentes: Dande MV, Alemão, Alexandre e Anderson. O último nome só foi usado por Eliane, única também a não descrever o sujeito como revendedor ilegal de ingressos.

Reginaldo Pereira dos Santos, membro da Mancha,  descreveu o personagem enigmático como tendo pele branca e, aparentemente, 35 anos. Ele narrou ter sido procurado por Serdan e que a partir de uma foto fornecida por Eliane localizou o suposto revendedor ilegal como sendo Alemão. Em sua lista de amigos no Facebook, o mesmo aparecia como Dand MV (sigla de Mancha Verde). O torcedor e André Guerra, presidente da torcida Mancha Alviverde, declararam terem chamado o acusado de fazer ameaças para conversar na quadra da escola de samba.

Está escrito no depoimento de Reginaldo que "Dand teria negado as ameças a Eliane" e que a conheceu "durante a campanha de Leila para conselheira e que Eliane lhe fornecia alguns ingressos do setor central do campo, os quais Dand repassava para cambistas." Ele afirmou também que o acusado não disse para quem enviava o dinheiro arrecadado com a venda dos bilhetes e nem como era feita a divisão da receita, além de não saber como a associada do clube conseguia as entradas.

Reginaldo contou ainda que ele e o presidente da torcida pediram para Dand não importunar mais Eliane e nem usar o nome da organizada. Ambos, porém, falaram para a equipe da DRADE que não pegaram o telefone do interlocutor e nem confirmaram se ele é sócio da Mancha.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.