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Acordo com Crefisa vira alvo por data 'trocada' e Galiotte de licença

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03/08/2018 08h34

Galiotte assinou acordo em janeiro com data de dezembro Foto: Cesar Greco/Ag. Palmeiras

Atas de reuniões do COF (Conselho de Orientação e Fiscalização) do Palmeiras revelam bastidores das alterações nos contratos do clube com a Crefisa. Maurício Galiotte assinou um dos adendos enquanto estava licenciado da presidência alviverde. Além disso, colocou a sua assinatura em janeiro de 2018 num documento datado de dezembro de 2017.

Os dois fatos fazem com que parte dos membros do conselho de orientação queiram anular o documento. Entre eles há ainda há suspeita de que Galiotte teria cometido crime de falsidade ideológica por causa da assinatura fora da data real. Tanto a diretoria jurídica do Palmeiras como a Crefisa negam irregularidades. Dois advogados criminalistas ouvidos pelo blog disseram não enxergar crime na atitude do dirigente.

O presidente palmeirense assinou em janeiro de 2018 um dos adendos ao contrato de patrocínio com data de 26 de dezembro de 2017, quando estava de licença.

Uma das atas registra o pedido de licença feito por Galiote para o período entre 26 de dezembro de 2017 e 17 de janeiro de 2018. Ou seja, no dia registrado na assinatura do primeiro adendo, o presidente já estava licenciado.

Em 26 de março, o membro do COF, Gilto Avallone indagou durante reunião se o vice-presidente Genaro Marino tinha negociado a mudança contratual com a Crefisa, já que era o substituto de Galiotte na ocasião da data do acordo. O cartola respondeu que não.

Em seguida, o presidente deu sua explicação: "(Galiotte) assume que assinou todos os aditivos em janeiro", diz trecho da ata que registra a resposta do principal cartola palmeirense. Assim, ele confirmou que assinou o contrato de dezembro em outra data.

Parte do COF crê que a data retroativa foi usada para que a Crefisa não fosse multada em R$ 200 milhões por irregularidades em sua contabilidade referente a 2017.

Ao conselho de orientação, Leila Pereira, sócia da empresa e conselheira do clube, explicou que sua companhia recebeu multa de R$ 31 milhões da Receita Federal. O órgão entendeu que o contrato de patrocínio ligado ao programa de sócio torcedor e vinculado a aquisição de jogadores era na verdade empréstimo de dinheiro. A multa aplicada foi referente a 2015 e 2016. "Se não alterasse esse contrato de patrocínio para empréstimo, na sua contabilidade nos anos de 2017 e 2018, que foram os anos em que mais houve aporte de dinheiro para a aquisição de atletas, foram feitos os cálculos com seu departamento fiscal e a multa seria de mais de R$ 200 milhões", relata a ata de reunião do COF em 7 de maio de 2018 sobre declaração de Leila.

No encontro, ela deixou claro que não aceitaria discutir mudanças no adendo a pedido dos membros do conselho de orientação por entender que eventuais alterações colocariam sua empresa em risco. "O patrocinador não muda uma vírgula desses contratos, uma vírgula, e vai brigar até o fim por eles", afirmou a empresária e conselheira.

Outro problema visto por "cofistas" que contestam as alterações contratuais é que a contabilidade do clube estaria prejudicada com a assinatura da mudança em janeiro com data de dezembro. Isso porque o balanço de 2017 não traria os reflexos contratuais.

A diretoria jurídica do Palmeiras nega que isso tenha ocorrido. "Foram celebrados dois aditamentos. O primeiro em 2017, que não alterava a natureza da relação com a Crefisa, pois mantinha os contratos como patrocínio (uma vez que o Palmeiras ainda não precisaria devolver necessariamente os valores aportados pela patrocinadora), e o segundo aditamento celebrado em 2018, que alterou a natureza do negócio (pois obrigou o Palmeiras a passar a devolver as quantias). Portanto, apenas o segundo aditamento, celebrado em 2018, implicava a alteração do balanço", diz comunicado do departamento jurídico palmeirense.

A diretoria jurídica também se manifestou sobre o suposto crime de falsidade ideológica por parte de Galiotte. "Na verdade essa alegação não procede. O primeiro aditamento celebrado com a Crefisa foi totalmente negociado em dezembro de 2017. Há inúmeras comprovações disso. Os profissionais e a diretoria do Palmeiras realizaram diversas reuniões na sede da Crefisa, inúmeras conferências telefônicas, sendo que próprio presidente se envolveu pessoalmente nessas negociações, mesmo estando viajando. Os termos do contrato foram finalmente sacramentados logo após o Natal, sendo assinado pela diretoria da Crefisa no dia 26, e enviado ao Palmeiras para assinatura do presidente assim que retornasse de viagem. Ou seja, a data reflete exatamente o momento da celebração do negócio. A formalização pelo presidente do Palmeiras apenas aguardou seu retorno físico de viagem, o que é absolutamente normal nas dinâmicas de clubes e empresas, e não implica, de forma alguma, qualquer prejuízo jurídico ao negócio ou ao Palmeiras", disse a direção em nota.

A direção sustenta que mesmo licenciado o presidente não perde seus poderes de representar o clube. Assim, afastado, ele deu aval para as mudanças e, quando voltou de viagem, assinou o documento.

Indagada se a Crefisa pediu para que a data do adendo não fosse corrigida para 2018 com a intenção de poder lançar os números referentes a alteração contratual em seu balanço de 2017, a assessoria de imprensa da empresa respondeu: "a  questão da data é irrelevante, pois quem assinou tem poderes para isso, o Presidente do Palmeiras. E para deixar claro, os aditivos tiveram parecer favorável tanto de auditoria interna quanto externa do Clube. A rejeição dos balancetes pelo COF tem intuito eminentemente político (os últimos três apresentados ao órgão foram reprovados por conta do contrato com a Crefeisa)".

Para o advogado criminalista Luiz Flávio D'Urso, mestre e doutor em direito penal pela USP e que foi presidente da OAB-SP por três gestões, não há indícios de irregularidades na assinatura do adendo feita por Galiotte.

"Não me parece que houve falsidade ideológica. O acordo foi pactuado antes, muito embora a assinatura tenha sido dias depois. Não vejo crime. É absolutamente comum na medida em que as partes se acertam, um coloca a assinatura hoje, o outro depois. Haveria crime se a mudança de data fosse para mudar a essência do contrato. Por exemplo, você tem um pagamento mensal para fazer, e eu, maliciosamente, antecipo a data do contrato em seis meses para te cobrar a mais", explicou D'Urso.

Sobre Gagliotte assinar o contrato enquanto estava licenciado, o criminalista também não vê problemas. "Basta o presidente ratificar (seu ato) quando voltar de licença."

 

 

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.