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Crise política e menor frequência na elite. O futebol de SC após tragédia

Perrone

22/08/2018 04h00

Perto de o acidente aéreo que vitimou a Chapecoense e o principal dirigente do Estado, além de jornalistas e membros da tripulação, completar dois anos, o futebol catarinense enfrenta crise política e frequenta menos a Série A do Brasileiro.

A situação contrasta com a projeção dada ao Estado pela ascensão da equipe de Chapecó até o trágico 29 de novembro de 2016.

Disputa pelo poder na Federação Catarinense de Futebol (FCF) na Justiça, parte dos clubes reclamando da administração da entidade, perdas em contratos de TV e dificuldades em campo marcam o cenário atual.

A política na federação local começou a perder estabilidade com a morte de Delfim de Pádua Peixoto Filho, presidente da FCF e líder da oposição na CBF na ocasião. Ele estava na no voo da Chape.

Em seu lugar assumiu Rubens Renato Angelotti, que era vice-presidente da federação. Com uma série de medidas, ele ganhou a antipatia de uma ala dos dirigentes catarinenses.

Porém, a crise política foi deflagrada de vez quando Angelotti marcou para abril deste ano a eleição para a sua sucessão, apesar de a diretoria eleita só tomar posse em abril de 2019.

A oposição apontou uma série de supostas irregularidades e foi à Justiça conseguindo uma liminar que estava travando o pleito.  Recentemente, o processo foi extinto. A votação está marcada para a próxima quinta (23), e a oposição tenta agir na Justiça. Na tarde desta quarta (22), após a publicação deste post, a oposição fez acordo com a diretoria atual e desistiu da ação.

Angelotti nega falhas no processo eleitoral e rebate todas as críticas de seus opositores em entrevista publicada no final deste post.

"As condições para a eleição não mudaram. Os requisitos previstos no estatuto impedem o processo democrático", disse ao blog Alexandre Beck Monguilhott. Sua candidatura implodiu por não conseguir o número de assinaturas exigido para lançar uma chapa. Em seguida foi à Justiça apontando supostas falhas nos procedimentos exigidos para os candidatos. Neste momento, o atual presidente é candidato único.

"O edital da eleição foi feito para não existir disputa. A situação recolheu as assinaturas e lançou o edital depois que não dava mais para outra chapa se inscrever (por falta do número mínimo de apoios)", disse Alessandro Abreu, advogado de Monguilhott.

Na ação, a oposição alega que houve fraude eleitoral porque, entre outros motivos, o processo eleitoral só duraria cinco dias, impossibilitando que o opositor recolhesse assinaturas de apoio. E que a situação já sabia das regras com antecipação, por isso viabilizou a chapa única.

Episódio parecido aconteceu em recente eleição na CBF. O situacionista Rogério Caboclo colheu número de assinaturas que impediu o opositor Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol, de se candidatar. Caboclo foi eleito um ano antes de sua posse.

Política e arbitragem

No processo, o opositor alega que na chapa situacionista o candidato a vice-presidente é chefe da arbitragem na federação (Marco Antônio Martins) e que isso pressiona os clubes eleitores.

"De acordo com informações extraoficiais, o atual diretor de arbitragem é candidato a uma vice-presidência pela chapa da situação o que causa intimidação, especialmente aos clubes de futebol que se sentem compelidos a apoiar a chapa sob o risco de afrontar o departamento de arbitragem", diz trecho da ação escrito pelos advogados da oposição.

Delfinzinho

No pacote que fez Angelotti ganhar a antipatia de uma fatia dos cartolas catarinenses está a demissão de Delfim Pádua Peixoto Neto, filho do ex-presidente da FCF.

Delfinzinho, como é conhecido o ex-dirigente, era assessor do pai e tem a simpatia de vários dirigentes catarinenses. Sua demissão ocorreu pouco depois de Angelotti assumir o poder.

Como o atual presidente é alinhado com Marco Polo Del Nero, o afastamento foi visto por cartolas amigos de Delfinzinho como uma medida para agradar o ex-presidente da CBF, hoje banido do futebol pela Fifa. Angelotti nega que a decisão tenha tido caráter de retaliação.

Os críticos da demissão afirmam que como o atual presidente está completando o mandato de Delfim, deveria, por respeito, manter seu filho até o final da gestão. "Ele (Angelotti) falou que veio ordem de cima para me demitir", declarou Delfinzinho.

TV

Críticos da gestão de Angelotti apontam o fracasso na negociação para venda dos direitos do Campeonato Catarinense em TV por assinatura e pelo pay-per-view como sinal de debilidade do futebol local.

Ao discutir a renovação de seu contrato para a transmissão da competição, o grupo Globo desistiu de comprar os direitos sobre essas duas propriedades.

Presidente de clube local que atribui a atuação de Angelotti na negociação como fator importante para o desacerto calcula que os clubes perderam cerca de R$ 4 milhões com a decisão do grupo Globo de não mostrar as partidas do catarinense pelo Sportv e pelo pay-per-view.

O mesmo cartola avalia que o atual presidente não tem a mesma capacidade de liderança que Delfim tinha. Isso teria atrapalhado na negociação. Ele pediu para seu nome não ser divulgado com medo de retaliação por parte da federação.

Porém, a opinião de que o fracasso nas tratativas deve ser atribuído principalmente a Angelotti não é unanime.

"A federação poderia ter sido mais produtiva, e a associação dos clubes (de Santa Catarina) também. Mas os clubes foram lentos demais para se posicionar, pecaram por não viabilizar. Agora isso não é um privilégio do futebol catarinense. Ouvimos das televisões que só o Paulista dá dinheiro entre os estaduais. Elas só se interessam pelos de São Paulo e do Rio, este, talvez, por questões políticas", disse o presidente do Figueirense, Cláudio César Vernalha de Abreu de Oliveira.

Gastos

Outra conta feita por críticos da gestão de Angelotti diz respeito a um aumento nas despesas da federação. Os opositores reclamam dos salários pagos pela atual gestão.

O balanço da Federação Catarinense publicado no site da CBF mostra que em 2017 a despesa operacional da entidade foi de cerca de R$ 5,1 milhão contra aproximadamente R$ 3,59 milhões em 2016.

A entidade fechou 2017 com deficit de R$ 139,3 mil. Em 2016, havia sido registrado superávit de R$ 28,1 mil. Apesar do déficit no ano passado, a federação registrou aumento em sua receita líquida. Foram R$ 5,3 milhões diante de R$ 3,9 milhões no exercício anterior.

Os opositores também afirmam que a atual administração aumentou valores de taxas, afetando o caixa dos clubes. O balanço aponta que em 2017 a entidade arrecadou cerca de R$ 1,5 milhão com taxas e emolumentos. Em 2016, essa arrecadação foi de aproximadamente R$ 1,3 milhão.

Angelotti, no entanto, nega que tenha aumentado as taxas.

A receita da federação no ano passado com participação em jogos também aumentou. Ela ficou em por volta de R$ 1,5 milhão contra R$ 991,3 no ano anterior.

Declínio?

Em campo, atualmente, os catarinenses não contam com uma sensação como era o time da Chape vitimado pelo acidente aéreo e que disputava o título da Copa Sul-Americana.

Na ocasião, além da Chapecoense, o Figueirense também representava o Estado na Série A, mas foi rebaixado naquele ano. Hoje só a Chape, 14ª colocada está na elite do Nacional entre os catarinenses. Em 2015, durante a gestão de Delfim na federação, a equipe de Chapecó teve a companhia de Avaí, Figueirense e Joinville na primeira divisão. Porém, Avaí e Joinville terminaram o ano rebaixados.

Em 2014, Figueirense, Chape e Criciúma, este rebaixado, jogaram na primeira divisão brasileira.

Hoje, Avaí, Figueirense e Criciúma estão na Série B. O Joinville acaba de ficar entre os rebaixados da Série C do Brasileiro.

"Não vejo os problemas do futebol catarinense como pontuais, são gerais do futebol brasileiro. Não tenho queixas da federação", afirmou o presidente do Figueirense.

O que Angelotti diz

Abaixo, leia entrevista do blog com Rubens Renato Angelotti feita por meio de mensagem de celular.

Blog – A oposição fala em fraude eleitoral. Isso ocorreu?

Angelotti – Todos os procedimentos relativos ao processo eleitoral foram cumpridos conforme o estatuto.

Blog – A oposição diz que o diretor de arbitragem da federação, Marco Antônio Martins é o principal articulador de sua campanha e é candidato à vice. Alega também que isso intimida os clubes. Como analisa essa afirmação?

Angelotti – Ele faz parte de nosso grupo de trabalho que vem
conduzindo a FCF junto comigo. Nao existe impedimento legal para ele estar na chapa.
Blog – Parte da oposição culpa a federação pelo fracasso na negociação com o grupo Globo pela transmissão do Catarinense em TV fechada e pelo pay-per-view. Na sua opinião o que provocou essa situação?

Angelotti – Não há fracasso, o contrato foi renovado com base nos anos anteriores,com participação dos clubes na negociação. Quanto à TV fechada, foi política da Globo não renovar com alguns estados, motivada por redução de custos.

Blog – Na sua gestão houve aumento na folha salarial da federação? De quanto? Por quê? De quanto foi o aumento no número de funcionários?

Angelotti – A FCF teve suas contas aprovadas por unanimidade pelos clubes e ligas filiadas no mês de abril de 2018. Houve aumentos naturais em função de dissídio coletivo. E reorganização do quadro de funcionários.

Blog – O senhor já recebeu críticas de clubes ao desempenho de seu superintendente, Lédio D'Altoé e em relação ao salário dele? Se sim, o que respondeu?

Angelotti – Houve questionamentos sim e de pronto esclarecidos.

Blog – Em quanto aumentaram as taxas cobradas na sua gestão e por quê?

Angelotti – Não houve aumento de taxas e sim redução de custos para os clubes filiados:

A – redução de pessoal de trabalho nos jogos, consequentemente baixa no custo do borderô;

B – subsídio e até isenção das taxas de arbitragem nas séries B,C e Base;

C – fornecimento de bolas gratuitas em todas as competições;

D – Pacotes para inscrição de atletas reduzindo o custo dos clubes. Cabe salientar que no primeiro ano tivemos dificuldades em função de negociação de impostos não recolhidos.

Blog – O senhor disse que houve redução de taxas. Foi a partir de 2018? Pergunto porque o balanço de 2017 da federação registra aumento nas receitas com taxas e emolumentos e também nas receitas com a participação em jogos. Isso em relação a 2016.

Angelotti – 2017. Houve redução de custos para os clubes. E o aumento das receitas é porque houve maior controle na arrecadação com informatização de borderô eletrônico.

Blog – Procede que o senhor disse ao Delfinzinho que ele foi demitido por ordens superiores? Por que ele foi demitido? Recebeu pedido do Marco Polo Del Nero para isso?

Angelotti – Quando assumimos realizamos alguns ajustes no quadro de colaboradores, não houve nenhuma retaliação ao Delfinzinho. Inclusive sua esposa, filho e enteada continuam trabalhando na FCF.

Blog – Em sua opinião, houve queda técnica dos times catarinenses? Se sim, por quê?

Angelotti – A FCF é responsável pela organização das competições apoia os clubes para que melhorem seu desempenho técnico. Você é nosso convidado a fazer uma visita a FCF para conhecer nosso trabalho.

 

 

 

 

 

 

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.