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Por que ficou mais caro trazer jogador brasileiro de volta?

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24/01/2020 09h30

A moleza está acabando. A atual janela de transferências mostra que está cada vez mais difícil os clubes europeus aceitarem emprestar jogadores para times brasileiros de graça e mediante pagamento de uma pequena parcela do salário.

Agora, as equipes da Europa insistem na venda de atletas que querem voltar ao Brasil. Se não conseguem, tentam entabular empréstimos onerosos e com cláusula de opção ou obrigação de compra.

A demora do Flamengo em acertar com a Inter de Milão a permanência de Gabigol na Gávea e as exigências do Sevilla para liberar Guilherme Arana ilustram o novo cenário. No caso do lateral, várias equipes nacionais desistiram do negócio por conta da exigência dos espanhóis em vender o jogador. Agora, o Atlético-MG tenta um empréstimo com opção de compra estipulada.

Para tentar entender a mudança de hábito dos europeus, o blog ouviu empresários e executivos de futebol de clubes brasileiros.

Altos gastos feitos por agremiações como Flamengo, Palmeiras, Santos e São Paulo aparecem entre as explicações dadas por agentes. A tese é de que esses investimentos fizeram cartolas da Europa enxergar que os brasileiros podem pagar mais do que vinham pagando para repatriar atletas.

"Quando os clubes europeus enxergam alguns times brasileiros gastando muito, eles imaginam que aqui é como na Arábia Saudita. Que todo mundo tem dinheiro para investir pesado, mas essa não é a nossa realidade. A maioria não tem dinheiro para pagar os preços que o mercado europeu está pedindo, fica difícil dar negócio", disse o empresário André Cury.

Agente de diversos jogadores e que também trabalha para o Barcelona, Cury aponta outro motivo para o desinteresse dos europeus em emprestar jogadores para o Brasil. "Eles entendem que não adianta o jogador ficar uma temporada no Brasil porque não vai evoluir taticamente. Aqui se pratica a mesma modalidade, mas de um outro jeito. O jogador não evolui e não se valoriza para eles. Então, é melhor tentar a venda", declarou Cury.

"Hoje, eles acreditam menos na reviravolta do jogador, independentemente de se ele se valoriza ou não no Brasil. Entāo, esse negócio de obrigação de compra, é obrigado a comprar dependendo do percentual de jogos, é uma manobra para dizer: 'olha cara, já que ele saiu daqui que não volte, por que não é interessante para o clube", disse Alexandre Pássaro, gerente executivo de futebol do São Paulo.

Giuliano Bertolucci, um dos empresários mais influentes na Europa, avalia que o sucesso de jogadores que atuam no Brasil por empréstimo, como o Gabigol, também faz o preço subir. Ele entende ainda que o aumento de receitas geradas pelas agremiações nacionais colabora para compor esse cenário.

Estrutura

Opinião semelhante tem Paulo Pitombeira, empresário de Gabriel Jesus, do agora corintiano Luan e do técnico Fábio Carille, entre outros clientes.

"Nós temos uma estrutura muito boa, as receitas aumentaram, o programa de sócio-torcedor gera cada vez mais dinheiro, os clubes têm profissionais competentes, temos três executivos brasileiros contratados por times europeus (Edu Gaspar, Juninho Pernambucano e Alexandre Mattos). Nossos clubes criaram uma condição muito boa para contratar, isso é bom para todos que trabalham no futebol brasileiro, e os europeus estão vendo isso. Até os chineses, por exemplo, já perceberam que o Brasil não é mais só vendedor, é comprador", afirmou Pitombeira.

O agente  cita o caso de Luan como exemplo. "Ele tinha propostas da Europa e da China, mas preferiu ir jogar no Corinthians. No Brasil o jogador mora bem, ganha bem e disputa um campeonato muito competitivo, que é o Brasileiro. Tudo isso tem valor. Os europeus estão vendo tudo isso e, de fato, os clubes brasileiros estão tendo condições de pagar para trazer jogadores de volta",afirmou Pitombeira.

Já o empresário Marcel Figer diz que as pedidas mais caras não valem para todos os casos. "Depende do jogador que está sendo negociado, depende se o clube europeu tem interesse de continuar com ele ou não. Dependendo do caso, vai ser um tipo de negociação", opinou o agente.

Porém, ele concorda que os altos investimentos feitos pelos times do Brasil também fazem os europeus aumentarem suas pedidas.

"Isso é normal do mercado que está se regulamentando. Os clubes brasileiros estão com capacidade de absorver contratos com valores mais importantes, tanto em salários para jogadores como em direitos econômicos. E os europeus estão sabendo disso, eles acompanham tudo que acontece aqui. O dirigente vê um time do Brasil gastar tanto num jogador e pensa: 'por que o meu jogador também não vale isso?"', afirmou Figer.

Fair-play financeiro

Pássaro  e o CEO do Red Bull Bragantino, Thiago Scuro, levam a discussão para outra direção. Para eles, essa inflação não está diretamente relacionada a investimentos recentes feitos por clubes brasileiros.

"Entendo que é reflexo dos valores investidos nesses atletas quando eles vão para a Europa. Tem sido frequente atletas que saíram daqui muito cedo por valores altos, por não performarem lá, voltarem", disse Scuro.

Ele e Pássaro apontam o fair-play financeiro implementado na Europa como um importante fator de alteração no comportamento dos dirigentes do continente.

"A grande mudança na diferença de postura se dá pelas das regras que eles tem lá, principalmente o fair-play financeiro. A partir do momento que eles compram um jogador, que eles acabam tendo uma receita comprometida, na hora que eles devolvem um jogador, eles já sabem que vão precisar, na maioria das vezes. pegar outro. E, para pegar outro jogador, eles precisam ter espaço no orçamento do fair-play", disse o executivo são-paulino.

"Outro aspecto é o fair-play financeiro, que não existia antes. Os clubes precisam agir assim para gerar conforto no caixa. Esses dois aspectos (o outro é o alto preço pago pelos europeus nos brasileiros) são mais relevantes do que o fato de clubes do Brasil terem feito investimentos no passado recente", afirma Scuro. 

Na opinião de Pássaro, quando libera um jogador para o futebol brasileiro, o time europeu faz as contas pensando na reposição. Ou seja, baliza negociação pelo valor que ele terá que investir para substituir o atleta e isso encarece operação.

O executivo tricolor também aponta que ofertas de outros clubes europeus por jogadores que querem voltar ao Brasil ajudam a inflacionar o mercado.

"Além do fair-play, tem a mudança pela qual os clubes europeus passaram, quase todos têm dono. E, quando você tem dono, você precisa prestar contas no final do ano. Quando você contrata um jogador por 20 milhões de euros, seis meses depois, um ano depois, um ano e meio depois você transfere esse jogador de graça, às vezes até pagando o salário como era antigamente, isso não pega bem para um dono", complementou Pássaro.

Na opinião do executivo de São Paulo, o fato de mais clubes brasileiros terem aumentado a sua capacidade de investimento  faz com que os europeus promovam uma concorrência entre os times do país por seus jogadores que estão de saída. E isso ajuda a elevar o preço.

Sem volta?

É possível reverter o quadro atual?  "Acho bem difícil que isso gire ao contrário em determinado momento porque a tendência é de um mercado cada vez menos regionalizado e mais mundial", avalia Pássaro.

Apesar do aumento de investimento  que é preciso fazer para buscar atletas que estão na Europa, o executivo do São Paulo vê aspectos positivos no atual cenário.

"Antes era melhor porque era mais barato, mas não vejo como uma coisa ruim porque às vezes você vai conseguir repatriar jogador no mercado externo mais barato do que no mercado interno", concluiu Pássaro.

 

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.