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Desamparo e desesperança. O que médicos sentem após 'e daí?' de Bolsonaro

Perrone

30/04/2020 04h00

ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

O blog ouviu cinco médicos da linha de frente do combate ao novo coronavírus para saber como eles se sentem após o presidente Jair Bolsonaro soltar um "e daí?" ao ser indagado sobre recorde de mortes por covid-19 no país registrado na última terça (28) e a respeito de o número total de óbitos ter ultrapassado o da China.

As respostas indicam sentimentos de desamparo, revolta e desesperança, entre outros. A pedido dos ouvidos, o blog manteve o anonimato deles. A pergunta foi a seguinte: como médico, o que sente ao ouvir o presidente Jair Bolsonaro responder 'e daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre"? Isso ao ser questionado sobre o Brasil bater na terça o recorde de mortes por Covid-19 registradas em 24 horas e superar a China no número total de óbitos. Abaixo, conheça as respostas.

"Eu me sinto desamparado e revoltado"

Médico de urgência e emergência do Distrito Federal

"Eu sinto desesperança. Muitos médicos apoiaram e votaram no presidente. Tínhamos esperança. Mas nesta pandemia não dá mais para suportá-lo, infelizmente. No começo até havia a impressão de que seria uma "gripezinha", mas a quantidade avassaladora de doentes que atendi com todo o pulmão comprometido vimos que era sério. Se ao menos ele tivesse coragem de assumir erros e deixar o ministério da saúde trabalhar, os governadores decidirem sobre quarentena de acordo com a capacidade de UTIs disponíveis e coordenar as ações sem politizar, perdoaríamos suas falas desastrosas. Num dos primeiros pronunciamentos (aquele sobre o histórico de atleta), quase vomitei de  nojo. Os maiores penalizados serão  o povo mais vulnerável e que não sabe em quem confiar mais. Desesperança, pois não temos noção do que está acontecendo por completo pela falta de testagem ampla. Desesperança pela falta de valorização do empenho dos profissionais de saúde trabalhando há anos em situações precárias. Desesperança por saber que  a população mais pobre é a que mais morrerá, independentemente de ser idoso ou de fator de risco. Desesperança por liberar quarentena sem medidas de isolamento adequado dos pacientes positivos (sem testes não funcionará). Desesperança por sermos um país pobre que não tem US$ 1 trilhão para poder assistir adequadamente os mais necessitados neste período. Desesperança por ter de esperar mais alguns anos para termos um líder que governe para todos e sinta compaixão e respeito por quem foi dizimado por uma doença em que você se sente como um afogado no seco, fica sozinho internado, isolado e morre sem nenhum parente segurando sua mão".
Médico
"Sensação de falta de sensibilidade por parte do presidente"
Infectologista
"Se o líder da nação não sabe o que fazer, está na hora de ele dar lugar a alguém que saiba. Ainda estamos no começo dessa crise e não podemos ser liderados por alguém que acha que não tem nada que possa ser feito. Este tipo de atitude mostra que o governo não tem planos, metas ou estratégia para a crise. Pelo comentário o presidente sugere que não há nada a ser feito pelo Governo Federal. É a receita de um desastre anunciado."
Márcio, médico
"Acho que o presidente usou de ironia para responder à pergunta em um momento inoportuno. Quando falamos de mortes provocadas por uma doença estamos lidando com o sofrimento de algum familiar ou ente querido e, por isso, devemos saber transmitir o recado. Acredito que o presidente Jair Bolsonaro está conduzindo mal a situação, e que 'escolheu' apenas cuidar da crise econômica, deixando de lado a preocupação com a saúde da população do país que ele governa".
Cardiologista de Minas Gerais

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.