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Cientista explica método de comitê nordestino para 'caçar' novo coronavírus

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05/05/2020 04h00

ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

O Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do consórcio formado pelos estados do Nordeste criou um sistema para "caçar" o vírus em vez de esperar que suspeitos de contaminação busquem os serviços de saúde. O projeto, impulsionado com o slogan "atacar o Covid-19 onde ele nos ataca" tem como ponto central um aplicativo que permite com que as pessoas descrevam se possuem os sintomas da doença. Os dados são armazenados e médicos prestam atendimento à distância a quem necessite. Quando vários relatos chegam de uma mesma região em determinada cidade, equipes de saúde vão ao local. Além de examinarem e testarem pessoas que possam estar contaminadas, elas procuram por quem teve contato com gente contaminada e possa ter sido infectado.

A ideia é localizar pessoas que estão contaminadas antes que elas precisem ser internadas. Assim, é possível tratá-las com antecedência tentando evitar mais ocupação de leitos nos hospitais. Outra tentativa é quebrar o circuito de contaminação.

"Um software faz a análise de risco e classifica essa pessoa como sem risco, risco muito pequeno, risco médio ou risco muito grande. Esses dados são gerenciados por um outro programa que permite que a gente saiba onde essa pessoa está, a idade, o sexo, é tudo anônimo, a gente não tem informação pessoal. E se essa pessoa recebe um grau médio ou grave, ela recebe o telefonema de um médico", explicou o médico e cientista brasileiro renomado internacionalmente Miguel Nicolelis. Ele é um dos coordenadores do comitê científico.

"O médico faz um exame mais detalhado pelo telefone do histórico dessa pessoa e passa um tratamento caseiro. Ou, se for uma coisa muito séria, já referencia essa pessoa para o centro de saúde mais próximo dela. Ao mesmo tempo, esse dado entra em tempo real na nossa análise e permite que a gente, se tiverem muitos caos nessa vizinhança, nessa cidade, na periferia de alguma cidade grande do Nordeste, direcione médicos, recursos de equipamentos, insumos médicos para ir para essa localidade, isolar essas pessoas e começar a rastrear os contatos dessas pessoas para que a gente vá de encontro ao vírus onde ele nos ataca, nas casas das pessoas, nas comunidades. Então, é um sistema interligado de telecomunicação, análise em tempo real e entrega de serviços médicos pra evitar uma sobrecarga dos serviços médicos terciários", completou Nicolelis.

Segundo o cientista, o método pode atenuar nos estados do nordeste o problema das subnotificações que atinge todo o país por conta da carência de testes, já que será possível localizar mais suspeitos de contaminação e usar os testes disponíveis de maneira otimizada.

Por enquanto o sistema está disponível de forma completa para Bahia, Sergipe, Maranhão, Piauí e Paraíba, mas será estendido aos outros estados da região. Até a última sexta-feira, o aplicativo tinha 60 mil usuários. Nicolelis está fazendo uma campanha parta atingir 100 mil nesta semana e um milhão de pessoas no total. "Porque são mais de 57 milhões de pessoas no Nordeste. Se tivermos 1 milhão, estimamos que teremos uma boa cobertura estatística no Nordeste", afirmou o cientista.

Na análise de 8 mil dados iniciais, o coordenador do comitê científico identificou uma concentração de casos no sul da Bahia e comunicou o governo local no último domingo (3). Além do novo sistema, o comitê também usa modelos matemáticos para fazer projeções do que pode ocorrer em cada estado nordestino. Esse método previu, por exemplo, aumento de casos no Maranhão e no Sergipe, com os governos locais sendo avisados.

Nicolelis avalia que nas cidades em que mais de 80% dos leitos de enfermaria e de UTIs estiverem ocupados antes de a curva de contaminação chegar ao pico não sobram muitas opções a não ser o lockdown, adotado por determinação da Justiça do Maranhão em quatro cidades do Estado, incluindo a capital, São Luís. "Estou muito preocupado porque a gente viu a Itália, uma coisa muito chocante. Estou preocupado que a gente passe o número de mortes da Itália nesse período aqui. É muito provável. Não dá pra falar (com exatidão quando isso deve acontecer), mas nas próximas oito semanas, que a gente entra no inverno. Acho que o número de (mortes por Covid-19 no Brasil) pode passar o da Itália. Torço para que não. Os cientistas nunca torcem para estarem errados, mas, nas últimas semanas, eu torço para estar errado. Todos os dias", declarou.

O cientista justifica sua declaração com o fato de muitas cidades estarem chegando na saturação de seus leitos e pela velocidade da contaminação. "O Brasil estava dobrando o número de casos a cada oito dias na última vez que olhei. Veja, nós passamos de 100 mil casos oficiais, o que é praticamente quase um milhão de casos reais. A subnotificação está na ordem de 10", disse. Nesse cenário, ele opina que as capitais de Rio de Janeiro e São Paulo provavelmente vão ter que adotar o lockdown como maneira de tentar conter a transmissão do vírus.

Boletim divulgado nesta segunda (4) pela OMS (Organização Mundial da Saúde) apontava a Itália com 28.884 mortes por Covid-19. Já o relatório do Ministério da Saúde distribuído no mesmo dia apontava 7.321 óbitos no Brasil pela doença.

Palmeirense fanático, Nicolelis fez um apelo aos torcedores brasileiros, em especial aos nordestinos, antes de encerrar a entrevista. "Deixa eu até deixar uma mensagem aqui. Estou tentando ver se alavanco as torcidas de futebol do Nordeste, do Brasil para  nos ajudar nessa campanha para fazer o pessoal do Nordeste a baixar o aplicativo. Afinal de contas, as torcidas têm impacto tão tremendo na vida de quase todo mundo que se pudessem nos ajudar seria sensacional. Estou tentando alavancar essa campanha nas redes sociais. Sei que o Ceará e o Bahia já estão aderindo", afirmou o cientista. A ferramenta pode ser baixada por meio deste link.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

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