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'Fla-Flu' com cloroquina é ruim para pesquisa e paciente, diz pesquisador

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15/05/2020 04h00

ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

A polêmica nacional criada em relação ao uso da cloroquina no combate à Covid-19 não é boa para ninguém. A opinião é do médico intensivista do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, e pesquisador que estuda a hidroxicloroquina (derivada da cloroquina) Luciano Cesar Pontes de Azevedo. "Infelizmente isso não é bom. Porque, com esse debate, essa apologia que tem sido feita da hidroxicloroquina (e da cloroquina), apesar de todas as evidências serem contrárias, os trabalhos que estão saindo não mostram nenhum benefício dela, então, essa apologia, esse Fla-Flu que está sendo feito em torno do medicamento não é bom para a pesquisa nem para os pacientes", disse o especialista.

O mais famoso defensor da cloroquina e da hidroxicloroquina é Jair Bolsonaro. O presidente entrou em rota de colisão com o ministro da Saúde, Nelson Teich, que ressalta a possibilidade de o medicamento provocar efeitos colaterais nos pacientes infectados pelo novo coronavírus. Bolsonaro já havia tido atrito semelhante com o antecessor de Teich, Luiz Henrique Mandetta.

O pesquisador explicou que muitos pacientes têm chegado a hospitais particulares de São Paulo já tomando cloroquina receitada por seus médicos, o que é permitido. Essas pessoas não podem participar da pesquisa, pois é preciso iniciar o tratamento durante os estudos. Isso atrapalha os pesquisadores. "E para os pacientes não é bom porque tem um risco, né? A prática da medicina nos diz que a primeira coisa que a gente tem que fazer é não prejudicar o paciente. Quando você prescreve uma droga que você não sabe se funciona, mas que tem um risco de efeito colateral, principalmente no caso de um paciente que está em casa, você tem um risco de prejudicá-lo sem uma demonstração clara de benefício. Esse é o maior questionamento que a gente cita quando fala de hidroxicloroquina", declarou Azevedo.

Bolsonaro quer aumentar o uso da cloroquina no país para que ela seja receitada para pacientes em estágio inicial da doença. Porém, o pesquisador, que participa dos estudos com o medicamento feitos pela Coalisão Covid Brasil, considera que os pacientes tratados com cloroquina ou hidroxicloroquina precisam de um acompanhamento em tempo integral, principalmente do ponto de vista cardíaco. "Eu não tomaria hidroxicloroquina porque tenho sérias dúvidas se ela funciona. Para quem tá em casa, se for pra tomar, tem que ser com prescrição médica e uma supervisão médica muito estrita. Assim, fazendo exames em intervalos curtos, pelo menos a cada dois dias para ver como está a evolução do ponto de vista de poder ter arritmia cardíaca, entrando em contato com o médico periodicamente para dizer como está se sentindo. Essa seria a única condição na qual uma pessoa em casa poderia tomar hidroxicloroquina", afirmou o intensivista. Estudos em diferentes países apontam que a cloroquina pode provocar efeitos colaterais em pacientes contaminados pela Covid-19.

Pesquisa

A Coalizão Covid Brasil, que reúne hospitais de referência e centros de pesquisa, faz três estudos envolvendo cloroquina e hidroxicloroquina. Dois deles estão em estágios avançados e podem terminar em cerca de 20 dias.  Num desses trabalhos, os pacientes foram divididos em três grupos. Um recebe apenas hidroxicloroquina, em outro ela é ministrada com azitromicina, usada em infecções respiratórias, e o terceiro não toma os medicamentos. Nesse caso, os pacientes não precisam de respiradores ou o usam de maneira leve. Na segunda pesquisa, uma parte dos doentes recebe só hidroxicloroquina e a outra combina o remédio com azitromicina. Esses doentes estão em estado mais grave.

A terceira pesquisa feita pela coalização atinge o grupo alvo de Bolsonaro no momento: pacientes que não têm necessidade de internação. No entanto, esse trabalho está apenas começando. Os doentes recebem só hidroxicloroquina.

Nos três estudos os pesquisadores preferiram a hidroxicloroquina à cloroquina por considerarem que ela é uma substância menos tóxica, com potencial para causar os mesmos efeitos colaterias, mas em menor grau, de acordo com Azevedo.

Segundo ele, mesmo nas duas pesquisas mais avançadas, os pesquisadores ainda não sabem os resultados. O médico afirmou que, por enquanto, apenas um comitê internacional de médicos têm os dados e faz as análises. "Eles viram os dados referentes ao primeiro terço de pacientes, cerca de 200 pacientes, e recomendaram a continuidade do estudo", detalhou o pesquisador.

Conforme disse o médico, o sinal verde para as duas primeiras pesquisas continuarem significa que os avaliadores não encontraram resultados com grandes prejuízos ou benefícios para os pacientes. "Se tivesse um sinal muito claro de prejuízo ou de benefício, eles teriam recomendado parar o estudo. Num caso para não fazer mal. No outro, se você tem sinal de que um tratamento é muito melhor e você tem um grupo de pacientes da pesquisa que não está recebendo esse tratamento, você tem que parar o estudo porque não é ético você continuar (deixando doentes sem a medicação) se você sabe que o tratamento é muito benéfico. Se a hidroxicloroquina fosse um negócio sensacional, que reduz muito o risco de morte, se isso já ficasse claro nos primeiros 200 doentes (de pelo menos 600), o comitê diria: 'vocês têm que parar o estudo por causa da eficácia do tratamento. Não faz sentido vocês continuarem não dando o tratamento para todo mundo. Mas pode ser que o efeito não esteja claro porque eles analisaram um número pequeno de pacientes (até agora)", explicou o pesquisador.

A Coalisão Covid Brasil é formada por Hospital Sírio-Libanês, Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Beneficência Portuguesa de São Paulo, Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva e Instituto Brasileiro de Pesquisa Clínica.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

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