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Novo coronavírus alerta para preconceito com diabesidade, diz especialista

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17/05/2020 12h44

ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

O blog convidou o médico Ricardo Cohen para escrever sobre obesidade e diabetes e seus impactos na pandemia de Covid-19. Leia a seguir.

Obesidade, diabetes e cia: as pandemias que pioram a COVID-19

RICARDO COHEN

Coordenador

Centro de Obesidade e Diabetes- Hospital Alemão Oswaldo Cruz, São Paulo, Brasil

Presidente, Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariatrica e Metabólica, 2011-2012

"Os recursos de saúde, incluindo leitos de terapia intensiva estão se esgotando no Brasil"!  Isso lemos, escutamos e ouvimos dezenas de vezes por dia. E sempre atrelado ao novo coronavírus.  Convido-os a refletir um pouco sobre números: sabemos que existe um grupo de maior risco para o desenvolvimento da forma grave de COVID-19, que são aqueles com mais de 60 anos. Porém, independentemente da idade, a obesidade, diabetes e hipertensão não controlados estão presentes em um número grande dos pacientes infectados e internados. Dados internacionais, publicados em revistas médicas de relevância, mostram que mais de 60% das internações em Nova York eram portadores de obesidade e próximo a 50% de diabetes. Outro estudo francês claramente (e muito preocupante) relacionou a obesidade diretamente com o número de pacientes com COVID-19 em UTIs e sob ventilação mecânica. Vamos lá, será que se tivéssemos essas pandemias, obesidade e diabetes, que chamo a partir de agora de diabesidade, controladas, teríamos esse volume de internações hospitalares, incluindo em UTIs? Provavelmente não. O que está "esgotando" a capacidade de atendimento não é o novo coronavírus sozinho, é a má companhia destas terríveis donças crônicas e progressivas.  O secretário substituto de Vigilância em Saúde do Minstério da Saúde, Eduardo Macário, afirmou em entrevista em 13/5 que, do total de mortes por COVID-19 no Brasil, 65% das pessoas tinham pelo menos um fator de risco, como obesidade, hipertensão e cardiopatias.  Afora a diminuição de internações e de mortes, a economia para o sistema de saúde seria de elevado impacto, se a diabesidade fosse controlada adequadamente.

Já há alguns anos, sabe-se que a obesidade e suas condições associadas, principalmente o diabetes do tipo 2, cresce exponencialmente no mundo e também no Brasil. Dados do VIGITEL 2019 registraram que a prevalência de obesidade no Brasil  é de 20,3%. E esse número subiu de 11,8% para 20,3% em 13 anos (ou seja, 72%). Também de forma impressionante, a prevalência de diabetes foi aferida, com 7,4% da população afetada. A prevalência subiu 35%, de 5,5% para 7,4% de 2006 a 2019. É digno de nota que são enfermidades graves  que caminham juntas até certo ponto, já que os números de obesidade subiram mais que os do diabetes. Vamos novamente pensar: apesar de serem doenças crônicas, progressivas, letais por si só (2/3 dos portadores de diabetes morrem por doenças cardiovasculares), elas têm opções eficazes de tratamento, seja clínico, com remédios orais e injetáveis, ou através da cirurgia metabólica (para tratar o diabetes que não é controlado com o tratamento clínico) e bariátrica. Lamentavelmente, poucos pacientes têm acesso aos melhores tratamentos disponíveis e não é porque há somente alguma grave restrição para acesso. A questão mais sensível é que a diabesidade é estigmatizada. É considerada, até mesmo por profissionais da saúde, como sendo causada por más escolhas, estilo de vida inadequado e pior, os portadores de diabesidade são culpabilizados por terem as doenças. A ciência moderna já consegue distinguir algumas causas, como genéticas, alterações de secreções de certos hormônios e até mesmo um estado de inflamação constante que os deixa suscetíveis à maior gravidade de infecções virais, por exemplo. 

Apesar de terrível, a pandemia causada pelo novo coronavirus é um alerta. A diabesidade e suas consequencias devem ser adequadamente tratadas. O preconceito e estigmatizacão devem ser deixados de lado, seja pelos prestadores de serviços de saúde ou pela população. A pandemia COVID-19 irá embora, mas a obesidade e diabetes não. Os responsáveis por políticas de saúde, sejam públicas ou privadas, assim como os envolvidos com os cuidados destas pessoas, devem dedicar atenção para que diminuam as mortes secundárias a estas doenças que, se tratadas adequadamente em eventuais próximas epidemias ou pandemias, não sobrecarregarão os hospitais e os índices de mortalidade serão muito menores.

 

  1. Prevalência de Obesidade no Brasil– fonte:VIGITEL 2019
  2. Prevalência de DM no Brasil –fonte: VIGITEL 2019
  3. Óbitos Covid 19 em SP – Fator de risco DM -fonte: Boletim Epidemiológico de SP 12/05/2019
  4. Meldrum DR, Morris MA, Gambone JC. Obesity pandemic: causes, consequences, and solutions-but do we have the will?. Fertil Steril. 2017;107(4):833‐839. 
  5. Richardson S, et al. JAMA. 2020 Apr 22;
  6.  Garg S, et al. COVID-NET, 14 States, March 1–30, 2020. 
  7. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 2020;69:458–464; (6) Petrilli C M, et al. medRxiv 2020.04.08.20057794
  8. Simonnet A et al., Obesity (Silver Spring). 2020 Apr 9
  9. Cohen R, Shikora S. Fighting Weight Bias and Obesity Stigma: a Call for Action. Obes Surg. 2020;30(5):1623‐1624. 

 

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.