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Para médico e professor plano de retomada deixa SP entre ciência e ganância

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03/06/2020 04h00

ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

A convite do blog, o médico sanitarista e professor da Faculdade de Medicina do Centro Universitário São Camilo (São Paulo) e da Faculdade de Medicina da UNIMAX (Indaiatuba-SP) Sérgio Zanetta analisa o plano de retomada às atividades em São Paulo durante a pandemia de Covid-19.

Covid-19: São Paulo entre a ciência e a ganância

SÉRGIO ZANETTA

Médico sanitarista e professor universitário

 

A pandemia da covid-19 ensina constantemente. Os aprendizados, poucos, que são consistentes com as evidências mundiais podem ser resumidos em 5 dimensões:

  1. Controle do contato com higienização das mãos, roupas e superfícies; uso de máscaras pessoais, etiquetas de tosse e espirro e restrição de circulação.
  2. Controle da transmissão: isolamento social para reduzir o contágio e, desta forma, reduzir o impacto dos casos sobre o sistema de saúde, sob risco de colapso.
  3. 80% dos casos tendem a ter poucos ou nenhum sintoma, mas 20% vão precisar de cuidados hospitalares, 5% UTI.  Os 80% de casos mais leves tendem a circular e transmitir a covid-19. O isolamento social além de estratégia é "tratamento preventivo" para a contaminação.
  4. Não há vacinas nem remédio específico para tratamento (não há mesmo!). O uso de oxigênio infundido no sistema respiratório (de cateter nasal até assistência ventilatória mecânica – respirador) por vários dias, ajuda a melhorar as chances de recuperação e tratamento. Além de outros tratamentos de suporte.
  5. Não há exames efetivos disponíveis para fazer a testagem necessária de todos os suspeitos e, desta forma, poder usar estratégias mais seletivas e focadas de isolamento. Não há produção nem distribuição adequadas no mundo.

Quem hesitou em seguir esses aprendizados no mundo pagou um alto preço em sofrimento, em vidas perdidas, além de prejuízos materiais. A Itália, os Estados Unidos são exemplos emblemáticos desse desfecho.

No Brasil, a cidade e o estado de São Paulo se transformaram no epicentro da pandemia, em grande medida por suas relações comerciais, turísticas e culturais com a Europa e, notadamente, a Itália.

Os governantes de São Paulo assumiram, desde cedo o compromisso de atender aos imperativos da ciência para organizar as ações de combate a covid-19, através de comitês de técnicos e cientistas da área. Instituíram regras de isolamento social e tomaram medidas apropriadas para isso, resistindo à pressão de setores, sobretudo, comerciais. As dificuldades decorreram do discurso federal negacionista da pandemia e as ações políticas de desinformação que até hoje instigam seguidores e "assanharam" as bases políticas municipais ligadas, sobretudo ao comércio e serviços, além dos templos religiosos, dentre outros.

O documento publicado como plano "Retomada Consciente" que, (neste 1º de junho), autoriza a flexibilização das regras de isolamento social, apresenta a contradição entre as evidências e a sua inspiração.

As evidências documentadas corroboram o acerto e o sucesso (relativo) na contenção da transmissão da covid-19 no Estado de São Paulo, indicando quantos casos de doença foram subtraídos da tendência inicial, quantas mortes foram evitadas e, o melhor, que as curvas de crescimento da doença estavam iniciando uma tendência de retificação (de aplainamento) demonstrando o sucesso da estratégia. Lembremos que os outros países do mundo só conseguiram controlar a transmissão quando promoveram a redução efetiva e sustentada dos novos casos. 

O curioso é que o atual plano do governo de São Paulo parte desse reconhecimento, no entanto, toma a decisão inversa, que foi interromper a estratégia até aqui, vitoriosa, e antecipar – sem nenhuma base científica ou empírica – o final das regras mais rígidas do isolamento social. O que a ciência recomendou e demonstrou como acerto, ou seja, o isolamento com redução da progressão do contágio e a diminuição do número de mortos, teve como resposta o relaxamento prematuro do isolamento social e, como inspiração, apenas a ganância. 

Esse erro capital é justificado por indicadores que mais parecem projeções produzidas sob encomenda para dar um pseudocientificismo e objetividade às decisões cuja inspiração não é a melhor ciência.

Um bom exemplo são os critérios de cobertura assistencial (lotação dos leitos locais) para definir o nível do isolamento na grande São Paulo que, além de não serem parâmetros preditores suficientes do colapso assistencial, desconsideram as dinâmicas do sistema de saúde e da sua integração sistêmica regional. Essa contradição tem sido observada por prefeitos que – percebendo a fragilidade das regras e atendendo a pressões comerciais municipais pleiteiam  e conseguem,  de forma equivocada, a alteração do status de suas cidades.

Desta forma, vamos abandonar as poucas certezas adquiridas em mais de cinco meses da covid-19 e ignorar o aprendizado mais importante que tivemos com a pandemia: é preciso evitar saídas não seguras, pois elas podem promover tragédias humanas inaceitáveis, justamente, porque seriam evitáveis.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.