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Reitora da Unifesp diz haver conversa para Brasil produzir eventual vacina

Perrone

05/06/2020 04h00

ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

Entrevista com Soraya Smaili, reitora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que vai coordenar em São Paulo testes com a vacina contra a Covid-19 que a Universidade de Oxford tenta desenvolver.

Como a Unifesp foi escolhida para liderar a pesquisa em busca de uma vacina contra a Covid-19 no Brasil?

O que acontece é que nós (Unifesp) temos um centro de referência em imunização, que é liderado pela professora e pesquisadora Lily (Yin Weckx). E esse centro de referência, o Crie (Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais), já trabalha há diversos anos com epidemias. E, também, o Crie trabalha com todos os sistemas de imunização, das crianças, dos adultos, dos pacientes do hospital, dos trabalhadores de saúde, tem projetos de pesquisa, tem ensaios clínicos. Então, ela (Lily), tem conhecimento internacional também. Tem um contato com uma das pesquisadoras importantes desse estudo que é a (brasileira) Sue Ann Clemens. Então, em contato com a Sue Ann, a professora Lily, digamos, se candidatou como pesquisadora e também como instituição para participar desse estudo. E, depois de um tempo, ela foi comunicada que a nossa universidade foi escolhida para liderar o estudo no Brasil.

Em qual estágio está a pesquisa hoje?

Obviamente, a pesquisa começou na Universidade de Oxford. Ela entrou em vários estágios, está hoje em um estágio bastante avançado, que é de fase três, está entrando na fase três, que já é uma fase mais avançada do estudo clínico. Porque tem várias etapas, antes do estudo clínico, no laboratório, in vitro, depois em animais, e agora já chegou numa fase que tem segurança para aplicar em humanos. A fase três significa que pode ser aplicada em humanos com segurança e em populações específicas. Depois, esses grupos vão ser ampliados, aumentando o número das amostras, até termos um número razoável de pessoas, de resultados e daí o resultado final, que vai ser a eficácia da vacina, se ela protege ou não protege e quanto por cento ela protege. Então, isso acaba tendo que ter um prosseguimento agora de alguns meses.

Como vão ser os testes no Brasil?

Esse grupo que vai receber a vacina vai ser comparado com o grupo que não recebe a vacina, mas recebe um placebo, algo inócuo, só pra comparar os efeitos da aplicação. O grupo que recebe, no caso, a vacina, tem que ser semelhante em termos de perfil populacional ao grupo controle (que recebe o placebo). Então a mesma faixa etária, as mesmas condições de exposição, tem lá vários critérios que têm que ser atendidos.

Então, o voluntário, pode ficar no grupo que tomará placebo. Ele não vai saber que está tomando placebo.

Claro, não vai saber. Só que, aí é que está, as condições de exposição dos grupos vão ser semelhantes. Não é que eles serão expostos de maneira diferente. Não,  eles vão estar nas mesmas condições. Vão ser escolhidos para esse primeiro  grupo profissionais de saúde ou indivíduos que estão trabalhando no setor de atendimento com um grau de exposição que pode levar à infecção. Ninguém vai ser submetido a uma situação de insegurança e de infecção proposital.

Nada será forçado. O voluntário continua na rotina dele.

Exatamente. Então, você tem aí um grupo grande de pessoas que está mexendo com o coronavírus, com pacientes que estão doentes. E os profissionais de saúde estão adoecendo muito, estão morrendo, inclusive. Nós tivemos já um número grande de óbitos de enfermeiros, de profissionais de enfermagem, e também muita infecção entre os médicos. Então, claro que a gente toma todas as providências, o nosso hospital, o Hospital São Paulo, tem um baixo grau de infecção.

Quantos voluntários serão selecionados?

A doutora Lily e sua equipe vão selecionar mil voluntários, na faixa etária de 18 a 55 anos, dentre profissionais de saúde ou outros adultos que estejam com o risco aumentado de infecção. Por exemplo, os profissionais da limpeza, da lavanderia, das áreas de nutrição, eles estão dentro do hospital, eles podem pegar algum tipo de infecção. Então serão mil participantes, depois mais mil, logo em seguida, na cidade do Rio de Janeiro.

No Rio vocês vão coordenar também e outra universidade vai participar?

A doutora Lily coordena, do laboratório do Crie, Unifesp, mas vai ter um parceiro no Rio de Janeiro que está em fase final de decisão, por isso não posso te dizer exatamente se já fecharam isso porque quem coordena quem vai ser o parceiro no Rio de Janeiro é a Universidade de Oxford. E mais devem vir. Na verdade, eles estão querendo mais do que dois mil (voluntários).

Eles já manifestaram o interesse em ampliar o número de voluntários testados?

Já, porém, tem que pensar o seguinte, eles estão produzindo a vacina, então, não é assim: chegam cinco mil doses de vacina de uma vez. Eles também têm que se programar pra isso. Então, pode ser que a gente tem mil, logo em seguida mais mil e depois mais dois, três mil, nos próximos dois, três meses, por exemplo.

Os voluntários do Rio só vão ser selecionados depois que forem selecionados os de São Paulo?

Eles vão ser selecionados mais ou menos ao mesmo tempo. A gente só não pode dizer quando porque não depende só da gente. Não vai demorar muito. A seleção vai ser praticamente simultânea, até porque esse estudo leva alguns meses.

Qual o primeiro passo depois da seleção?

Depois da seleção, começam os exames porque esses voluntários têm que ser soronegativos. Eles não podem ter tido a doença, não podem ter o anticorpo para a doença. E, depois, eles recebem a vacina, o Crie vai acompanhando a evolução ao longo de alguns meses. E, se chegar daqui a seis meses, no grupo controle, (que tomou o placebo), de cada cinco indivíduos cinco estão infectados, e do grupo que recebe a vacina  de cada cinco um ou nenhum está infectado… esse tipo de resultado que tem que ser compilado com base nos exames. Todos esses resultados vão ser compilados, analisados e, ao longo de alguns meses, eles vão poder dizer se a vacina tem eficácia ou não.

Alguns médicos receberam uma mensagem com um pequeno roteiro para voluntários dizendo que eles precisam estar disponíveis num prazo de 12 meses para responder a perguntas e colher sangue num prazo de 12 meses. Então, está correto dizer que a vacina não sai antes de um ano?

Está correto. Em condições normais, do final da fase três até o final do estudo levaria de 12 a 18 meses. Porém, eles estão considerando, pela situação de emergência e pelo número de pessoas que vão entrar no estudo, que é possível obter o registro final em 12 meses. Isso é o que, digamos, está sendo colocado como meta por eles, da organização, também dos entes internacionais que controlam isso, controlam o registro da vacina também.

Ou seja, a ideia é ter a posição final, funciona ou não, em 12 meses. É isso?

É isso. Pode até ser um pouco antes dos 12 meses, vai depender dos resultados, da eficácia da vacina, do número de pessoas que ela vai proteger. Então, quando você junta os dados, e se for feito com um número razoável de pessoas, isso aumenta a chance de encurtar o tempo. Então, digamos, que até o final desse ano, com o resultados bem positivos, até o final desse ano, início do ano que vem, talvez já tenhamos um cenário bem promissor. Tudo depende dos resultados da vacina.

Então, fazer uma previsão sobre quando a vacina, se ela funcionar, pode estar sendo usada em massa, é muito difícil hoje.

É difícil, não é impossível. É importante, também, manter a esperança nas pessoas, porque tem muita gente trabalhando nisso, esses pesquisadores não estão começando do zero, houve processos anteriores, tem uma ciência que é muito ativa no Brasil. É por isso que o Brasil foi escolhido, não é só porque a epidemia está em ascensão aqui, mas porque tem pesquisadores, tem laboratório, tem gente que conhece, que tem muita experiência. As pessoas às vezes pensam que a universidade pública está só na sala de aula. Não, estamos também no laboratório, na ciência. E o que é mais importante, o que é observado no laboratório pode ser aplicado na assistência e o paciente do SUS, que é o paciente atendido no nosso hospital universitário pode se beneficiar fortemente de uma descoberta. Isso é o mais importante. Nós queremos dar acesso às pessoas mais vulneráveis, às pessoas que mais necessitam. Então, a pesquisa é fundamental. E a gente não partiu do zero, como estou dizendo. Então, é possível que processos levem menos tempo.

Agora, a pergunta que o país inteiro faz hoje: o fato de o Brasil participar tão ativamente dessa pesquisa significa que quando a vacina for chancelada, se for, o Brasil terá algum tipo de prioridade para conseguir a vacina?

Então, nós acreditamos que sim, porque como um país que faz parte dessa pesquisa, em especial com a participação de uma universidade pública federal… e é em São Paulo, um estado que é grande, que tem forte inserção, inclusive internacionalmente, com suas indústrias, com sua economia. Então, acreditamos que, é possível, sim, essa parceria na hora da produção (de uma eventual vacina). Aí vem a outra pergunta, que já me fizeram também, mas eu já te adianto: a gente tem capacidade de produzir? Tem. Nós temos, sim. São Paulo tem o Instituto Butantã, o Rio de Janeiro tem a Fiocruz, a gente pode produzir essas vacinas em larga escala. Então, a gente tem cientistas, um parque, corpo, não só para a obtenção da vacina, como parte desse todo, mas também para a produção em larga escala.

Imagino que ainda não exista uma conversa formal sobre essa questão de produzir uma eventual vacina no Brasil ou existe?

Tem, tem uma conversa, mais ainda é preciso avançar, então não dá para a gente adiantar muito nesse sentido ainda.

Imagino que seja uma conversa em termos de Governo Federal, de Ministério da Saúde…

Provavelmente, mas vamos ver como as coisas evoluem. Quando você fala em nível governamental, e que eu disse que sim, mas que os detalhes (a serem discutidos) são ainda muitos… mas, lembrando que a utilização da vacina foi aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A Anvisa é uma agência de saúde do Ministério da Saúde, isso mostra que temos o aval para continuarmos. No momento adequado a gente vai ter essas conversas também.

Alguns médicos mostram uma ansiedade, justificável, sobre quando começarão a ser aceitos os voluntários para a pesquisa. Já existe uma definição sobre quando vão começar as inscrições?

Nos próximos dias. Nós apenas solicitamos um período para que a gente possa disponibilizar todas as informações sobre isso, sobre como os voluntários vão poder se inscrever. Provavelmente, vai estar disponível na página da Unifesp em breve.

E quando começa a pesquisa?

Provavelmente, na terceira semana de junho.

Voltando aos voluntários, muitos vão se encaixar no perfil. Como será a seleção a partir desse ponto?

A pessoa tem que apresentar uma série de condições, não pode ter outra doença, não pode ser grávida, tem todo o compromisso que o indivíduo tem que comparecer (para exames de sangue), de que vai se submeter aos questionários (periódicos). É verdade que muita gente está interessada, mas, no final, isso vai afunilando, porque são muitos itens que os voluntários precisam apresentar.

A Universidade de Oxford tem parceria com um laboratório farmacêutico na tentativa de desenvolvimento da vacina. Esse parceiro banca todos os custos, inclusive no Brasil?

Não posso entrar nesse nível de detalhe porque no Brasil também tem a parte da Fundação Lemann, que também entrou com apoio, com financiamento. Agora, eu não tenho detalhes do acordo comercial porque isso não foi tratado com a Unifesp.

A senhora sabe dizer qual o custo total da pesquisa no Brasil, independentemente do acordo comercial?

Também não tenho esse custo total.

 

 

 

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

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