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Presidente do Santos vê risco de terminar ano sem patrocínio master fixo

Perrone

31/03/2014 06h00

Em entrevista ao blog na última sexta, Odílio Rodrigues, presidente em exercício do Santos, falou das dificuldades financeiras e fez uma previsão sombria sobre as chances de conseguir um patrocinador master fixo neste ano. Para o cartola, o fato de o clube, finalista do Paulista, decidir antecipar as receitas do contrato com a Globo de 2015 e de negociar para que as cotas de 2017 sejam dadas como garantia pela compra de Leandro Damião, não são um drama. Ele também desceu a lenha na oposição santisa. Leia abaixo.

O Santos definiu as garantias para a Doyen Sports, parceira na contratação do Leandro Damião? Havia uma pendência sobre cotas de TV serem usadas como garantia.

Você tem que dar uma garantia, existem algumas alternativas, uma delas é dar os recebíveis da Globo de 2017 no valor que atinja o teto, 14 milhões de euros. Então, a gente tem que estar negociando com a Globo e  uma possibilidade é dar os recebíveis de imagem do ano em que o Santos tiver que decidir se vende ou compra [Damião]. O Santos pode vender o jogador a qualquer momento, não é que quer vender, é que pelo contrato pode vender. Mas daqui a três anos, se não vender, tem que comprar. Então, a Doyen quer uma garantia de que você tem dinheiro para comprar [quando chegar a hora]. É só uma garantia.

O Conselho do Santos acaba de autorizar a antecipação da cota de 2015. Então, de três anos, a receita de dois anos com a transmissão de jogos já está comprometida.

Na realidade você não compromete nada. Só estou dando garantia.

O que se comenta no clube é que o próximo presidente corre o risco de não poder usar o dinheiro da cota de 2017.

Pode acontecer uma porção de coisas. Aí tem que ser profeta. O próximo presidente pode vender o Leandro Damião e ter lucro, dependendo do desempenho dele. Então, o que vai acontecer não dá pra saber. Qualquer compra de jogador você pode fazer um bom negócio do ponto de vista financeiro, um bom negócio do ponto de vista desportivo ou um negócio não tão bom. Isso faz parte do risco.

Na sua opinião, não é um grade problema ter duas cotas comprometidas em três anos?

Na minha opinião, um time grande, de camisa, tem que ter bons jogadores,  vitoriosos e mesclar com jogadores jovens. Essa é uma tradição do Santos. E um clube como o Santos, para  trazer grandes jogadores na realidade do futebol brasileiro precisa de parceiros. Precisa de parceiros para ajudar a fazer investimento, se não ele tem que tirar do seu caixa e daqui dois ou três anos ele vai ter o seu fluxo de caixa comprometido. Daí vai precisar fazer empréstimo. Nenhum clube tem um valor desses sobrando em seu balanço para contratar jogador.

Na última reunião do Conselho Deliberativo, em que foi aprovada a antecipação da cota de 2015, você fez um relatório pessimista sobre as chances de o clube conseguir um patrocinador principal fixo neste ano?

Deixa eu tomar cuidado, o meu relatório não é pessimista, é realista. Existe uma retração no mercado de marketing esportivo para clubes nesse ano de Copa. Essa retração vai se acentuar até o final do primeiro semestre. Então, quem investe em marketing esportivo tem um evento mundial do futebol com uma visibilidade maior do que qualquer campeonato regional ou do que o início de Brasileiro. É evidente que a empresa que investe em marketing esportivo vai preferir investir no Campeonato Mundial. Esse é o primeiro dado. O segundo dado, a economia do Brasil faz com que todos investidores não sejam tão otimistas, todos estão mais cautelosos. As empresas ainda não estão seguras com a evolução da economia brasileira. Você não vai ver mais o que as empresas faziam em relação a patrocínio dois ou três anos atrás. Hoje existe mais cautela. Diante desse cenário, a gente conta com a possibilidade de dificuldade para encontrar um patrocinador master . No primeiro semestre a gente acha muito difícil. Depois da Copa, a gente tem que continuar essa prospecção de mercado, mas a gente pode correr o risco de não conseguir patrocínio master, como não conseguiu no ano passado.

Como equilibrar as contas nesse cenário difícil, com cotas de TV comprometidas e sem patrocinador master fixo? É bom dizer, difícil fora de campo, porque em campo está tudo muito bem.

O Santos como todos os clubes, independentemente de estar bem ou mal em campo, tem situação financeira complicada. A história dos clubes, principalmente os centenários como o Santos, é de muita instabilidade financeira.  O futebol até pouco tempo atrás era uma atividade, antes da Lei Pelé, em que os clubes tinham mais tranquilidade, mais garantias. O mercado não tinha tantos intermediários, os jogadores não tinham grande desejo, grande atração pelos clubes europeus, não tinha esse mercado alternativo que tem hoje. Os jogadores ficavam muito tempo nos clubes. Então, esse romantismo do futebol se transformou num mercado de negócios. E o que define lei de mercado é ganho, lucro. A gente tem que entender que os clubes vieram de uma estrutura amadora, têm uma cultura amadora. E eles vão tentar vender patrocínio para empresas que têm uma história de marketing profissional, vão negociar com as televisões que têm uma história de marketing profissional. Hoje, a lógica do futebol do ponto de vista financeiro é totalmente perversa para os clubes. Hoje, quem tem direito de imagem dos campeonatos tem retorno, as instituições que organizam o futebol devem ter situação muito boa, os grandes atletas e seus intermediários com certeza passam um momento muito rico e muito feliz. E todos os clubes passam por grandes dificuldades. Estou me referindo a clubes vencedores. A torcida do Santos é exigente, acostumada com vitórias, não vai aceitar um time com jogadores medianos, de salários baixos e que não dispute títulos. Você tem que investir, montar time de ponta, disputar títulos, dar satisfação para a torcida, valorizar a sua marca, então os clubes precisam ter parceiros.

Mais parcerias como essa que o Santos fez pelo Leandro Damião?

Outra possibilidade é rediscutir o futebol no Brasil. Tem que rever nesse grupo de parceiros quem ficou com as melhores partes e quem ficou com a pior para fazer uma divisão mais equânime.

Mas aí a gente vai bater na tecla do dinheiro da TV.

É um componente, não o único.  A partir do momento em que você coloca cada clube para negociar individualmente a sua marca, você coloca o clube em posição de fragilidade. Se o Cube dos 13 tivesse atendido o que tinha que atender, negociando com a TV em nome de todos, seria uma negociação com um protagonista mais forte.  Se continuar como está, vamos continuar tendo dois clubes que recebem muito da TV,  e os outros recebendo menos. Essa desigualdade vai ficar cada vez mais forte e a gente vai ter aqui um dia Real Madrid e Barcelona.

Mas o Corinthians ganha mais do que o Santos da TV e foi eliminado na primeira fase do Campeonato Paulista. O Santos pode ser campeão.

O fato de um clube investir, ter muito dinheiro, gastar bastante, não garante que ele vai ser campeão. Mas o fato de não ter dinheiro e não gastar nada, garante que vai ser um fracasso.

Na última reunião do Conselho Deliberativo você fez um elogio ao ex-presidente Marcelo Teixeira?

Deixa eu falar o que é pra não ficar mal-entendido. O Santos está passando por um momento político que vai até dezembro. Eu estava dizendo, não citei só o Marcelo, falei de todos ex-presidentes. Nesse momento, tem oposição, é natural que exista, é saudável que exista, desde que a oposição tenha o Santos como valor supremo. E que ela não use de desconstrução do que o Santos constrói, não tome medidas que prejudiquem o Santos pra estabelecer um terreno de quanto pior melhor. Quanto pior está um clube, mais você fortalece a oposição. Disse a eles [conselheiros]  que é preciso respeitar todos os presidentes do Santos porque todos tentam fazer o melhor pelo clube. Eu estava dizendo isso porque a gente estava pedindo antecipação de recebíveis da Globo, e a oposição era contra. Quando a oposição é contra isso, o que ela está querendo estabelecer? Ela está tirando seu tubo de oxigênio. Está estabelecendo uma condição difícil pra você, vai criar necessidade de vender jogadores no meio do ano, você vai ter um time pífio e que vai mal no campeonato. Fico com a impressão que talvez esse fosse o quadro ideal para oposição. Quando a oposição acha que esse é o quadro ideal, a gente percebe que em primeiro lugar ela tem compromisso com o poder. Em último lugar, tem compromisso com o melhor para o Santos. Então, estava dizendo que a gente tem que ter respeito por quem está no poder hoje e por todos que passaram pelo poder. Citei, por exemplo, o Marcelo Teixeira. Ele, eu me lembro… Vou voltar, falei isso porque a oposição não queria autorizar a antecipação de recebíveis de 2015 porque entraria em outra administração. Eu estava lembrando que quando o Marcelo chegou ao poder não tinha dinheiro, não tinha jogador. E ele fez uma administração com acertos, com erros, com derrotas, vitórias e campeonatos.  Isso não impediu de a gente ter títulos com o Marcelo. E disse também, como exemplo, que quando a gente pegou a administração do Marcelo ele tinha antecipado a Globo, a gente tinha empréstimos bancários e dívidas com a família dele. Estamos pagando religiosamente as dívidas. Isso não impediu que a gente tivesse conquistas como tivemos. Isso não impediu que a gente tivesse o período mais vitorioso pós era Pelé. Então, eu queria dizer nesse momento para a oposição que essa é a realidade do futebol e do clube. A gente tornou a antecipação de recebíveis uma receita recorrente em qualquer balanço. Então, os clubes, lamentavelmente, por esse momento perverso no futebol brasileiro, vivem de buscar investidores e de antecipar recebíveis.

E daí o presidente seguinte tem que se virar como o presidente atual está se virando?

Todo presidente que passou por aqui a gente tem que ter respeito. E a gente está lançando o desafio: que a oposição faça crítica construtiva, que venha debater ideias. Estava lembrando a eles [conselheiros] que as grandes cabeças discutem ideias, as cabeças médias discutem fatos e as pequenas cabeças, como alguns oposicionistas aqui, discutem pessoas. Então a gente queria um debate político em cima de ideias e que temos que colocar como maior interesse o bem do Santos.

A oposição do Santos critica o fato de o clube ainda precisar antecipar receitas depois de vender o Neymar. O São Paulo, por exemplo, vendeu o Lucas e fechou 2013 com superávit superior a R$ 20 milhões.

Não conheço a situação do São Paulo. Ele fez uma grande negociação com o Lucas e fechou um balanço bom. O Santos teve um balanço invejável em 2012. Foi o único time que conseguiu naquele ano reduzir suas dívidas em 13%. Em 2012, a gente teve aumento de 200% da torcida e de associado, um aumento enorme de receita. Diminuímos nosso passivo a descoberto de R$ 270 milhões para R$ 240 milhões, sendo que R$ 100 milhões são da Timemania, que é divida consolidada. Então, os clubes vão ter anos melhores e piores. Isso não esconde que as situações deles não são estáveis, equilibradas. O Santos tem um déficit a descoberto há muitos anos, isso é histórico. Então, pra fazer uma operação de uma hora para outra sair de um patrimônio liquido negativo e passar para um patrimônio liquido positivo, com superávit, é muito difícil. Não é porque você vendeu o Neymar, o Ganso, que isso acontece. O Santos tem superávit operacional muito grande. Fica negativo quando coloca nesse balanço despesas financeiras e amortizações. Então, a gente carrega um histórico, como todos os clubes, que faz alteração no balanço de cada ano.

O clube fechou 2013 com uma dívida de quanto?

Esse balanço vai ser auditado, então a gente tem preocupação em falar números porque eles  podem mudar. Mas o negativo deve ser por volta de R$ 230 milhões, R$ 240 milhões, sendo que R$ 100 milhões são de Timemania. Então, a gente tem um passivo a descoberto que é de cento e poucos milhões. Isso é menos do que a receita de um ano. Em outras palavras, é perfeitamente administrável.

Chega a surpreender a maneira como o time está jogando, por ter um técnico que chegou este ano, por ter vários jovens no time?

Não, não surpreende. Em 2010, 2011 e 2012, o Santos disputou e ganhou tudo. Em 2013, era natural você ter que fazer alterações. Mesmo assim, ganhamos na base, continuamos revelando jogadores. Em 2013, o Santos foi o melhor paulista no Brasileiro, e se fez aqui, por questões políticas,  um desastre total, como se o clube estivesse atravessando uma grande crise. Isso depois de ganhar tudo por três anos e ter situação intermediária em 2013. Fizemos um planejamento, a gente confia na estrutura profissional. Apesar de todo o respeito com os diretores que foram voluntários lá atrás, hoje o futebol precisa de pessoas não só com amor, mas com competência e profissionalismo. Então nossos profissionais fizeram planejamento em um ano de alterações. A  gente definiu  o perfil do técnico e quais os jogadores que o time precisava. O comitê de gestão deu aval para esse trabalho. Então, contratamos o técnico, os atletas,  promovemos jogadores da base num número que nenhum clube brasileiro faz, renovamos contrato dos garotos da base que ganharam a última Copinha. Então, o trabalho não surpreende porque o planejamento foi bom.

Procurado pelo blog, após a publicação do post, o conselheiro santista Celso Leite, um dos líderes da oposição, se manifestou sobre as críticas de Odílio. Leia abaixo o depoimento dele.

"Odílio Rodrigues disse no Conselho Deliberativo que o Marcelo Teixeira [ex-presidente] estava certo quando endividou o clube pegando empréstimos, mesmo vendendo os meninos da base. Esse foi o principal motivo que criou um movimento para tirar o Marcelo Teixeira. Agora, cinco anos depois, ele vem dizer que o Marcelo estava certo porque não se administra clube sem fazer dívidas? Essa declaração está gravada em ata. Isso é a mesmice no futebol brasileiro. Querer o poder pelo poder quiseram Odílio e Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro [presidente licenciado] porque tiraram o Marcelo e agora agem do mesmo jeito."

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.