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Ex-técnico do Santos diz que salário alto atrapalha jogadores jovens

Perrone

07/03/2015 06h00

Em entrevista ao blog, Enderson Moreira contou sobre sua saída do Santos. Rebateu críticas por supostamente ter mexido mal no time e falou da insistência na contratação de Walter. Afirmou que nunca se queixou por ter sempre recebido sua remuneração pela metade por causa dos pagamentos atrasados. Ainda explicou o que quis dizer sobre jovens do time se acharem mais do que são. Tem a ver com quanto eles ganham. Leia a conversa com o técnico abaixo.

Alguma vez você foi pressionado a escalar o Gabriel?

De maneira alguma, de forma alguma. Nunca me pediram pra escalar o Gabriel ou outro atleta.

O que você quis dizer na entrevista ao canal Sportv com pressão do estafe do Gabriel?

O que eu percebi, pelo que eu via, é uma forma de tentar buscar uma titularidade pra ele, de uma forma que não acho natural.

Acha que o estafe dele plantava notícias?

O que percebi de pessoas que não acompanhavam nosso trabalho diário, é que elas colocavam algumas coisas de um jeito que não respeitava os outros jogadores da posição. Às vezes, o Gabriel não ia bem e vinham com matérias dizendo que ele sairia, seria negociado. Eu particularmente gosto muito dele, poderia levar como indicação para outro clube. É claro que demanda tempo pra ele maturar plenamente, leva tempo, mas vai crescer muito. É um jogador de qualidade.

O Gabriel é mimado?

Não posso falar sobre isso, não conheço os pais dele, não sei como os pais o tratam.

Em entrevista para a Rádio Bandeirantes, você disse que alguns atletas do Santos, formados na base, se acham mais do que são. Pode explicar melhor o que é 'se achar mais' e quem são esses atletas?

Não são atletas só do Santos, mas de outros times também, por causa da lei. O jogador ainda está na base, mas você tem que dar salário alto. Se você não dá, a multa é baixa, alguém vai lá e paga. Essa lei não é educativa. [Esse mecanismo] acaba fazendo com que o atleta possa galgar alguns degraus muito rápido. Deveria ser de maneira gradual. Às vezes o clube passa o salário do garoto de mil pra cem mil, duzentos mil, como se ele tivesse alcançado o ápice, mas na verdade não alcançou. Ele acha que está num estágio que não está.

O Gabriel não ganha menos do que você ganhava. É uma situação difícil para o treinador, por ser um jogador muito jovem?

Não me preocupo com quanto o atleta ganha. Meu objetivo é fazer com ele possa desempenhar suas funções, fique focado. Hoje, essa é uma situação normal por causa da lei.

Na conversa com o presidente do Santos, Modesto Roma Júnior, em que sua saída foi determinada, você falou sobre direitos de imagem atrasados. Quanto atrapalha o trabalho do treinador o clube não pagar em dia?

Atrapalha como atrapalha qualquer cidadão que tem uma remuneração específica. Ele deseja receber como qualquer profissional de outra área. Você sempre tem algum tipo de planejamento, espera receber de forma contínua. Mas sempre tratei disso de forma interna, só passei a falar porque nosso presidente abriu pra imprensa. Sendo assim, eu me sinto na liberdade de falar, mas nunca cobrei isso.

O presidente disse que te chamou para falar sobre suas declarações [principalmente críticas a jovens jogadores] e que você começou a mencionar os direitos de imagem atrasados. Foi isso?

Ele falou de algumas coisas que não concorda, de algumas opiniões minhas. Disse que não tirava uma vírgula do que falei e que disse o que penso. Não foi para denegrir os atletas. Disse que algumas coisas também me chateavam, mas nem por isso fui atrás do presidente. E nem fui falar na imprensa. Não deixei que isso contaminasse. Não falei nada porque sabia que ele fazia de tudo pra regularizar [as remunerações atrasadas].

Seu salário está atrasado há quanto tempo?

Desde que eu cheguei no Santos nunca foi creditado o valor completo, era  como se eu recebesse mais ou menos a metade do combinado .

A metade que faltava era de direitos de imagem?

Isso. (Nota do blog: Enderson não falou em valores, mas deveria receber R$ 180 mil mensais, segundo apuração do blog. Assim, a dívida do Santos com ele seria de cerca de R$ 540 mil. O presidente santista não atendeu às ligações para falar sobre o assunto).

Como esse valor vai ser pago?

Meus advogados estão acertando com o Santos.

E para você sair, ninguém vai pagar multa. Você só vai receber o mês trabalhado, certo?

Não vou externar.

Você teve alguma dor de cabeça por ficar seis meses recebendo pela metade? Precisava quitar a entrada de um imóvel que comprou, algo assim?

Não. Sou de poucos gastos, nunca dou um passo maior do que a perna porque sei que, infelizmente, nosso trabalho pode ser interrompido de repente.

O que houve no seu último treino? Você parecia nervoso com alguns jogadores.

Não teve nada de nervosismo. As pessoas pegaram esse tipo de coisa porque às vezes estavam muito próximas do campo. Mas a cobrança sempre teve e aconteceu de maneira educada. Futebol não permite com licença e por favor. No futebol é comum a cobrança de treinadores de alto nível. No vôlei também é assim. É nossa função.

Contra o Linense, dirigentes e conselheiros te criticaram por tirar o Valencia e colocar o Elano, quando estava 3 a 0. O Santos tomou dois gols e você mudou de novo para reforçar o meio. O que acha da crítica?

Cada um fala o que quer. O Valencia pediu pra sair. Tinha a possibilidade de colocar o Lucas Otávio. Coloquei o Elano, que fez essa função bem contra o São Bernardo. O problema é que teve a coincidência de tomarmos dois gols, Um de pênalti que, na minha concepção, não foi. Mas tivemos a possibilidade de fazer 4 a 0. É muito fácil criticar depois, difícil é tomar as decisões.

Outra crítica é por você ter insistido na contratação do Walter do Fluminense. Porque acha ele tão importante para o Santos?

O caso do Walter só foi externado em função do interesse do Fluminense. O Guilherme (Atlético-MG) tentamos até o último dia porque agregaria muitas características que o nosso time não tinha naquele momento, como a bola enfiada. O Walter tem a característica de poder reter muito bem a bola no ataque. A gente procurava agregar valores e também estava se precavendo porque a possibilidade de saída de alguns jogadores no segundo semestre era enorme. O próprio Gabriel sempre teve conversa de saída, Geuvânio, Lucas Lima, Robinho. Então a gente ficava atento às oportunidades, uma dessas era o Walter.

Alguns conselheiros falam que você indicava muitos jogadores de seu empresário (Francis Melo), e que o Santos contratou alguns.

Não entendo esse questionamento. O Francis nem é empresário do Walter. Precisamos de provas pra falar as coisas. Existem pessoas que publicam sem provas.

Por isso estou te perguntando. O Santos contratou jogadores de seu empresário? Não estou acusando, até porque isso não é irregular. Outros clubes contratam jogadores do mesmo empresário do técnico.

Acho que o Santos não tem nenhum jogador do Francis (após a entrevista o empresário disse ao blog que não há atlets seus no clube). Essa questão é muito fácil de ser comprovada. As pessoas que queriam a minha saída começaram a inventar coisas. Não fico indicando jogadores porque é de um determinado empresário.

Não ficou claro pra mim como foi decidida a sua saída.

(Foi) no momento em que ele (presidente do Santos) falou que tinha conselheiros que não desejavam a minha permanência, mas que ele estava fazendo um sacrifício. Eu não ficaria num local em que o presidente teria que fazer um esforço muito grande para eu permanecer. Infelizmente, chegamos à conclusão de que era melhor a minha saída já que havia sacrifício do presidente pra segurar a pressão de conselheiros. Ambos entenderam que não vale a pena passar por esse sacrifício.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.