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'Aventura' olímpica tem briga na fila, falta de energia e banheiro trancado

Perrone

08/08/2016 11h34

Este blogueiro sentiu na pele o sofrimento do torcedor no primeiro dia da Rio-2016, no último sábado. A jornada olímpica se transformou numa maratona de obstáculos, com algumas barreiras bem além das esperadas e compreensíveis.

A largada foi às 7h da manhã com a prova da compra do bilhete que dava direito ao transporte público até aos locais de competição. Das duas máquinas instaladas numa das entradas da estação Botafogo do metrô apenas uma funcionava, e com limitações. O modo de pagamento com cartão de débito estava indisponível, e o dinheiro tinha que ser exato, pois ela não dava troco. "Tudo bem, compre com o meu colega aqui do lado, ele também vende e tem troco", disse a sorridente atendente. "Não, eu ainda não recebi os cartões", explicou o rapaz. A saída foi trocar o dinheiro com uma irritada funcionária do metrô. Quinze minutos após tentativas frustradas com cartão de débito na máquina, pedidos para usuários trocarem uma nota de dez, e patadas da moça do metrô, o bilhete estava na mão.

Depois de uma parada para o café da manhã ainda em Botafogo, às 7h56, começou, no metrô a viagem olímpica. Apesar da longa distância e má sinalização, o percurso foi percorrido sem problemas, principalmente por causa da grande quantidade de ônibus articulados, o tal BRT, disponíveis.

Às 9h09, o desembarque final. Depois de uma curta caminhada até a entrada do Parque Olímpico, começou nova ginástica para superar obstáculos. Primeiro, 45 minutos numa fila tensa. Sem nenhum orientador no início dela, começou o bate-boca entre quem seguia a ordem de chegada e os que tentavam furar a fila. Aconteceu o previsível: porrada. "O cara tentou passar, discutiu e continuou indo. Cheguei por trás e acertei um soco na orelha dele. Aí deixei ir", contava um homem com físico de judoca peso-pesado.

Enquanto isso, um grupo forçava uma grade lateral até conseguir entrar já perto da primeira revista, ignorando a orientadora no local, uma das primeiras a serem vistas. Passado o portão, uma rápida fila para a revista com raio x. Depois, demora em um ponto de controle de ingressos e, enfim, a visão das arenas. A animação dos voluntários chegava a ser irritante para quem sofreu para chegar até ali.

Às 10h6, com seis minutos de atraso, enfim, chego à Arena Carioca 2, palco do judô. Cerca de 30 minutos depois chega o dono do assento ao meu lado com 'boas novas'. "Fiquei um tempão na fila lá fora, mas pra passar no raio x foi rápido. Era tanta confusão que eles não revistaram ninguém".

Por volta das 11h, a venda de comida na lanchonete mais próxima, com salgadinhos de aparência ressecada, foi interrompida e retornou pouco depois.

Fila que dava volta em frente ao Parque Olímpico no sábado

Fila que dava volta em frente ao Parque Olímpico no sábado  – Imagem: Blog do Perrone

Terminada a prova, era a hora de conhecer a praça de alimentação do Parque Olímpico. Como boas-vindas, algo no piso de pedregulhos entrou na sola do meu pé e provocou um pequeno sangramento. Só mais um obstáculo, fui em frente com determinação olímpica. Cheguei nas indecentes filas para comprar comida. Pior do que o tempo de espera era ser tratado como quem estivesse pedindo um favor. "Só vou atender mais três e acabou. Não estamos vendendo mais nada", dizia a funcionária de uma lanchonete para uma fila com cerca de 100 pessoas. Nesse momento lembrei que todas as empresas envolvidas na Rio-2016 tiveram direito a isenção fiscal. Nem assim conseguiram colocar um número de funcionários compatível com a demanda. A isenção não resultou em benefícios para o público.

Decidi sair do parque e comer num centro comercial da região. Opção mais barata, rápida e de melhor qualidade, segundo quem comeu nas instalações olímpicas.

Depois do almoço, tinha o segundo tempo: boxe no Riocentro. Transporte rápido, sem problemas. Mas na chegada, mais caos. As lanchonetes estavam sem energia elétrica, logo não aceitavam cartões. E, de novo, não havia troco. Torcedores reclamavam do serviço, e os atendentes retrucavam. "Se está ruim para vocês que estão se divertindo, imagina para nós que estamos trabalhando. Era para gente ter saído duas horas atrás, mas até agora não veio ninguém para o nosso lugar", dizia um deles.

Pouco depois, a energia voltou, mas os problemas não acabaram. O que acabou numa adas lanchonetes foram os copos, que já nas primeiras horas de venda viraram objeto de desejo dos torcedores para colecionar. Os consumidores eram orientados a reaproveitar seus copos até que depois de insistirem muito a moça que tomava conta do bar resolveu ser boazinha. "Tá bom, vou pegar uns copos que nós ganhamos de presente e liberar pra vocês".

Mais uma surpresa estava reservada antes da volta para casa. Os banheiros do ginásio foram bloqueados. "Não temos culpa, mandaram fechar", diziam homens e mulheres que se postavam em frente às portas. A solução era caminhar pelo Riocentro em busca de sanitários na área externa.

No caminho de volta, torcedores trocavam suas experiências de sofrimento. Mesmo moída pela maratona, a maioria, incluindo este blogueiro, se mostrava absolutamente disposta a voltar, avaliando que o nível das competições vale o sacrifício. Talvez por saberem disso, organizadores falhem em itens básicos.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.