Topo

Perrone

Zico pede intervenção na CBF e critica clubes

Perrone

14/03/2018 04h00

 

Zico em frente ao Pacaembu                      Foto: Ricardo Perrone/UOL

 

No banco traseiro de um carro, durante os 34 minutos do trajeto entre o estádio do Pacaembu e o Aeroporto de Congonhas, o blog entrevistou Zico na última terça (13). O ex-jogador pediu intervenção na CBF, criticou cartolas de clubes por não se rebelarem contra a entidade e defendeu Neymar na polêmica do pênalti com Cavani.

A conversa aconteceu depois de ele participar da série "10×10", que reúne entrevistas com vários astros que vestiram a camisa 10. A produção vai ao ar em maio pelo Esporte Interativo, canal no qual o Galinho é comentarista.

Abaixo, leia a entrevista em que Zico falou de seleção brasileira, do comportamento suspeito de cartolas da Fifa em sua tentativa de disputar eleição na entidade e da segurança no Rio de janeiro, entre outros temas.

Blog – A convocação do Tite para os últimos amistosos antes da Copa te surpreendeu muito?

Zico – Já tirei essa palavra surpresa do meu dicionário do futebol. O treinador tem todo direito de convocar quem ele acha que deve ser convocado porque é sempre a cabeça dele que está a prêmio. E a gente tem que respeitar isso. Ele é um cara que realmente vai aos estádios, vê os jogos. Então, por tudo aquilo que ele tem feito na seleção, acho que a gente tem que dar uma certa credibilidade a ele no sentido de dar um voto de confiança quando há um nome que as pessoas não esperam.

Blog – O preparador físico da seleção, Fábio Mahseredjian, disse que na lesão do Neymar há um lado positivo: o fato de ele chegar menos desgastado na Copa…

Zico – Isso aconteceu com Ronaldo e Rivaldo em 2002. Eles tiveram tempo suficiente para se recuperar de lesões e se preparar para a Copa do Mundo. Acho que o importante é isso, você conseguir a tempo se recuperar da parte clínica porque a parte física um jovem como o Neymar consegue rapidinho. O problema maior é a confiança na recuperação na parte clínica.

Blog – Tem se discutido muito a questão disciplinar do Neymar e também sobre individualismo. O que você pensa sobre essas duas questões?

Zico – Cara, eu não sou favorável a essa coisa, não. Vejo o Neymar jogando muito bem na seleção. É uma característica dele, das jogadas individuais, é por isso que hoje é o jogador de maior número de assistências no clube dele. E o time sentiu muito a ausência dele no segundo jogo contra o Real Madrid (pela Champions League), por essa falta de assistências, de jogadas individuais que ele cria e que desarma os adversários. Então, lógico, o jogador que tem uma boa condição individual, alguma vezes, é normal que exagere um pouco. Mas é tudo na tentativa de criar condições pro time dele. Se você pegar as médias dele, de assistências, de tudo,  ele tem sido muito mais decisivo do que individualista.

Blog – E a questão disciplinar?

Zico – Isso aí é do ser humano. O que vejo é que o Neymar  tem que ter preocupação quando o time tá perdendo. Aí ele se enerva um pouco mais. Aí ele comete alguns erros disciplinares. Isso que ele tem que entender. Quando você tá perdendo a calma tem que estar acima disso tudo. Não pode se desesperar porque é desarmado. O Neymar é um jogador que a bola pra ele é um grande brinquedo. Então, ele quer ficar com a bola o tempo inteiro. Se o cara tira a bola dele, ele fica revoltado com o cara. E aí ele esquece que é um profissional. Então isso é normal de um garoto que gosta de jogar futebol. É um jogador que não sabe marcar, como eu era. Então ele tem que ter essa tranquilidade. Perdeu a bola, é mais cercar do que ir em cima do adversário pra tirar a bola porque às vezes ele se desespera, faz faltas desnecesárias e corre o risco de sair de um jogo. E ele tem que entender que é importante, não pode deixar um time, uma seleção na mão por causa de um ato impensado.

Zico não vê motivo para Cavani reclamar de Neymar       Foto: AFP PHOTO/CHRISTOPHE SIMON

Blog – Você cita o exemplo de um pênalti que deixou de bater na Copa de 1986 pro Careca cobrar porque ele disputava a artilharia. Neymar teve uma situação semelhante em relação ao Cavani e fez questão de bater. Acha que ele deveria ter tido uma atitude como a sua?

Zico – Isso aí é de cada um. É aquele momento que você vive o clima ali na hora. Não acho que tenha sido errado. Acho que é questão de você saber o que pode ser melhor no momento. Acho que o Cavani não tem que reclamar nada dele porque o Neymar deixa o Cavani toda hora na cara do gol pra fazer gol. Eu, no lugar do Cavani, fico na minha esperando a hora porque uma hora a bola vem no meu pé, às vezes até sem goleiro. Acho que isso é um erro muito grave. Por isso que o Real Madrid é grande, o Barcelona é grande, o Bayern é grande, o Milan já foi grande. Porque essas picuinhas não saem com facilidade (na imprensa). Eles detonam isso logo de cara. E o PSG ainda tá imaturo nessa questão. São muitas coisas que saem e parece que não há uma estrutura adequada pra fazer com que essas coisas não saiam e não perturbem o ambiente.

Blog – Agora sobre Vinícius Júnior. Você acha melhor ele se transferir no meio deste ano para o Real Madrid ou só sair do Flamengo em 2019?

Zico – O melhor é ele continuar jogando. Não tenho dúvida que, chegando lá, se o Real achar que ele ainda não tá preparado, vai fazer alguma coisa com ele (emprestar para alguém). Hoje, eu vejo ele totalmente preparado para jogar de início no time do Flamengo. Se for pra jogar em outro time (emprestado pelo Real), acho melhor ele jogar aqui. Ele já tá consolidado aqui. Lá ele vai ter que ter performance muito boa porque sempre vão estar comparando o valor da transação (45 milhões de euros). Ele sempre vai carregar esse peso. Os caras que custam isso aí, não tem como não fazer esse tipo de comparação hoje no futebol.

Blog – E eu não tenho como não comparar. Se os caras valem tudo isso que valem hoje, quanto você acha que valeria se jogasse nessa época?

Zico – Ah, cara. É difícil porque você tem que colocar em termos de números. Hoje, a valorização de um jogador acontece pelos números dele. De gols, de participação, assistência. Hoje fazem uma matemática nesse sentido. Então, hoje eu seria um jogador muito valorizado por isso, né? Porque eu tinha resultado nessas avaliações.

Quanto valeria Zico hoje?                         Foto: Homero Sérgio -15.out.1988/Folhapress

Blog – Você lembra por quanto foi vendido do Flamengo para a Udinese?

Zico – Lembro. Por quatro milhões de dólares.

Blog – Hoje você não compra ninguém por esse valor.

Zico – É, acho que hoje é difícil (risos).

Blog – Sobre CBF. Marco Polo Del Nero (presidente suspenso preventivamente por acusações de corrupção negadas por ele) fez uma manobra e praticamente assegurou que seu sucessor será Rogério Caboclo (CEO da confederação), que é seu homem de confiança… (Zico interrompe).

Zico – Mas essa manobra não foi feita agora, os clubes silenciaram, aceitaram. Desde o momento em que ele (Del Nero) criou aquele critério dos pesos dos votos (dando peso maior para as entidades estaduais do que para os clubes), tava na cara. Qualquer manobra é pouco perto do que ele fez. Se ele tem as federações nas mãos, desde o momento em que os clubes aceitaram aquilo, aceitam qualquer coisa. Se eles não se rebelaram, é porque eles estão satisfeitos com o que está acontecendo hoje na CBF.

Blog – Parece que os clubes não querem ser ajudados.

Zico – Exatamente. Hoje eu só trabalho pra quem tem uma causa.

Blog – Talvez por isso que você tentou ser candidato à presidência da Fifa, mas não teve vontade de se candidatar à CBF agora?

Zico – Porque a CBF passou, cara. Você chega a um ponto que passa. Ou é naquele momento ou não é. Então, hoje, quando entra o presidente atual da CBF, ele vai ficar 12 anos. Ele (Del Nero) fez um trabalho para ficar 12 anos, só não deu por causa dessa questão da suspensão dele (imposta preventivamente pela Fifa até seu caso ser julgado). Mas tava na cara que isso iria acontecer. Então, hoje, ninguém consegue entrar. Pra se candidatar você precisa de oito federações e cinco clubes. Ele pegou vinte cartas (federações), só sobraram sete. Não tem mais carta para os outros.

Blog – A primeira coisa que deveria mudar é essa exigência de apoios pra se candidatar?

Zico – Claro, a primeira coisa que você tem que mudar é o tipo de eleição. Tem que aumentar o colégio eleitoral. Não sei porque os clubes da Série C e da Série D não têm direito a voto. Por que os atletas não votam? Podia se criar um modelo, atletas que foram campeões mundias, que têm tantos títulos têm direito a voto. Aí você não teria essa possibilidade de ter só um grupo e se eleger. Por isso, hoje ninguém vai conseguir entrar.

Blog – Por isso não te motivou?

Zico – Não me motiva. De maneira nenhuma. Aquele momento da Fifa era importante e aconteceu a mesma coisa. Você tinha que ter cinco cartas (apoios de federações nacionais) pra poder se candidatar, o que é difícil porque esse sistema tá viciado. E um sistema viciado te leva a ter que oferecer alguma coisa. Você fala o teu projeto, aí você para de falar e o cara fica: "e aí?". Ele quer aquele extra que o pessoal tá acostumado a dar. E não tem esse extra. Daí o cara vai te dar carta? Nunca. Ele não vai ganhar nada com isso. É a troca que eles fazem.

Blog – Chegaram a te propor essa troca na Fifa?

Zico – Eu não falava. Eles não vão propor, né? Porque me conhecendo, eles não vão se meter a falar alguma coisa.

Blog – Mas chegaram a insinuar que queriam algo em troca para te apoiar?

Zico – Basicamente, o cara ficava esperando você falar alguma coisa. Como eu não falava… Eu vi isso no congresso da Fifa. Teria uma eleição após o congresso. Antes de encerrar, o (Joseph) Blatter (ex-presidente da Fifa afastado por acusações de corrupção) falou: "a gente teve um saldo positivo e vai destinar uma quantia tal para todas as federações". Todo mundo sorriu. Daí ele continuou: "vocês acham que eu devo ser eleito? Quem for a favor levanta o braço." Todo mundo levantou o braço. Mas dois minutos antes o cara deu uma verba pra cada federação. Isso é vergonhoso. Não é à toa, onde tá o cara? Um dia pegam, né?

Blog – E é difícil imaginar que isso não se reflita aqui.

Zico – Sem dúvida, se você tem um preso (José Maria Marin), outro (Del Nero) não pode sair do país, suspenso, e outro também acusado (Ricardo Teixeira), é sinal de que a conivência é total. (nota do blog: os três cartolas negam terem cometido irregularidades).

Blog – Onde o futebol brasileiro vai parar desse jeito, com cartolas se perpetuando no poder?

Zico – Eu não sei. Se não houver uma intervenção, acho que fica difícil. Acho até que a CBF, na parte de baixo tem trabalhos bons, que às vezes ficam escondidos por causa de quem tá em cima. (Nota do blog: o Ministério Público do Rio tenta obter uma liminar para o afastamento da atual diretoria da confederação com a consequente nomeação de um interventor. Também é pedido o afastamento definitivo por suposta irregularidade na reunião que mudou o peso dos votos já que os clubes não participaram).

Blog – Por falar em intervenção na CBF, o que você pensa da intervenção militar na segurança do Rio?

Zico – Acho que o importante é se fazer qualquer coisa em termos de segurança da população porque isso não pode ser uma coisa pontual, passageira. Tem que ser um projeto que possa trazer benefício pra segurança do Rio de Janeiro. É uma cidade maravilhosa, porta de entrada do Brasil, então, os caras que estão lá vendo acham que a necessidade é essa, temos que dar um voto de confiança. Do jeito que estava, é complicado.

Blog – Como chegamos ao aeroporto, a última: como você vê o estágio atual do futebol carioca, com públicos baixíssimos nos jogos.

Zico – Nota 1. Uma tristeza. O campeonato sendo disputado fora do Estado. Daí você abre o Maracanã pra 5 mil pessoas, 300 pessoas. Não dá. Lamento porque isso já foi motivo de grandes competições, grandes públicos, grandes rivalidades. Você não pode ter um campeonato em que você jogue 11 jogos sendo oito deficitários. É lamentável.

Blog – Por que chegou nessa situação?

Zico – Pela falta de infraestrutura e de valorização da competição.

 

 

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.