Palmeiras só lucra com atleta ligado à Crefisa se estiver em dia com ela
Transformar parte dos contratos de patrocínio entre Crefisa e Palmeiras em acordo de empréstimo não foi a única alteração importante na relação entre os parceiros. Os dois adendos contratuais também mudaram a liberdade que o Palmeiras tinha em relação a eventuais lucros na revenda de jogadores contratados com dinheiro da parceira.
O contrato inicial previa que em caso de lucro, o clube ficaria com ele todo. Agora, o Palmeiras só pode se apossar da receita excedente se não tiver dívida em aberto com a Crefisa. Além disso, em caso de descumprimento das regras, o clube pode ser obrigado a pagar o débito antecipadamente e arcar com uma multa.
O blog teve acesso às informações de três versões do "Contrato de patrocínio esportivo do programa avanti por intermédio do atleta Alejandro Guerra", que registra a nova obrigatoriedade de o Palmeiras usar eventual lucro para pagar débito com a parceira, se houver. Se não existir dívida, o valor excedente fica com o alviverde.
Procurado pelo blog, o clube afirmou por meio de seu departamento jurídico que o modelo vale para todos os casos de jogadores adquiridos com aporte da empresa. Também declarou que o contrato considera dívida prestações de pagamentos que já tenham vencido, não a vencer.
O começo
Em 11 de janeiro de 2017, as partes assinaram contrato de patrocínio atrelado ao programa de sócio-torcedor do clube e à imagem de Guerra. Foi a forma encontrada pela patrocinadora para repassar a verba para a contratação.
"As partes acordam que pelos direitos e propriedades descritos na cláusula 3 deste contrato o patrocinador pagará ao patrocinado US$ 3.727.170 equivalentes ao valor da transferência do atleta acrescido dos respectivos encargos", diz o primeiro acordo.
O mesmo documento, em sua cláusula 5.3.2, decreta "caso os valores recebidos pelo patrocinado em razão de futura transferência do atleta venham a superar os valores descritos neste contrato, os valores excedentes – lucro da operação – serão retidos pelo patrocinado".
Em 26 de dezembro do mesmo ano foi assinado o primeiro adendo. Ele estabelece que no caso de venda de Guerra com lucro "os valores excedentes serão utilizados pelo Palmeiras para amortizar eventuais valores devidos pelo Palmeiras à Crefisa" por conta das contratações de outros jogadores. "Não havendo dívidas em aberto", diz o documento, "o Palmeiras poderá reter para si o lucro da operação de transferência futura do atleta".
Essa alteração foi mantida no adendo contratual assinado pelos parceiros em janeiro de 2018.
Hoje, a dívida do alviverde com a patrocinadora é de pelo menos cerca de R$ 120 milhões. Porém, de acordo com explicação da diretoria do clube, esse valor não conta como débito em aberto para efeito do adendo. A informação é de que o alviverde só terá que usar o lucro de uma eventual venda se outro atleta trazido pela parceira já tiver saído do clube por um preço inferior ao da compra. E ainda se a Crefisa não tiver sido ressarcida.
Prejuízo
Pelo primeiro contrato, em caso de venda por valor inferior ao gasto na contratação o prejuízo seria só da patrocinadora.
Mas a redação dos adendos muda essa situação. A alteração determina que em, caso de Guerra ser vendido, o Palmeiras tem dez dias para repassar o dinheiro para a Crefisa. Se o contrato dele chegar ao fim e o clube nada receber, o prazo para o ressarcimento será de dois anos.
A alteração contratual prevê que, se o valor obtido na venda for inferior ao investido pela Crefisa, o Palmeiras terá os mesmos dez dias para repassar o que recebeu do comprador para a parceira. O restante deve ser quitado em 24 meses a partir da data do fim do vínculo trabalhista do jogador. Se o alviverde receber a prazo, terá dez dias após cada recebimento para fazer o repasse.
As quantias injetadas pela Crefisa serão corrigidas pela variação do índice do CDI (Certificado de Depósito Interbancário). Os adendos estabelecem o valor devido pelo Palmeiras para a Crefisa por Guerra em R$ 12.001.487,40, sem correção.
Multa
O adendo assinado no início de 2018 também estipula o pagamento de juros de mora de 1% ao mês e multa de 2% sobre o valor devido caso o Palmeiras atrase a restituição para a Crefisa.
Em sua cláusula 10.1, o documento dá à patrocinadora o direito de rescindir o contrato e cobrar a dívida antecipadamente do clube se o parceiro descumprir o acordo. "Este contrato poderá ser rescindido de pleno direito e o valor devido se tornar antecipadamente exigível se o Palmeiras infringir qualquer cláusula deste contrato ou deixar de cumprir pontual e integralmente qualquer obrigação nele assumida", determina o documento.
Empréstimo
O adendo também deixa claro que o acordo firmado entre as partes passou a ser um empréstimo. "O presente contrato foi caracterizado pela Receita Federal do Brasil como sendo de empréstimo, conforme seguinte trecho do auto de infração lavrado: 'os sucessivos contratos firmados de patrocínio referente ao programa sócio-torcedor Avanti revelam na verdade serem instrumentos de empréstimos realizados pela Crefisa e o Palmeiras para a compra e manutenção de jogadores"', diz o documento.
O contrato assinado em janeiro de 2017 previa a possibilidade de rescisão por descumprimento das duas partes. Sendo que, nesse caso, o Palmeiras teria que devolver integralmente o valor investido até a data do rompimento pela Crefisa na contratação de Guerra, sem multa. Já a patrocinadora deveria pagar a quantia integral combinada pela aquisição do jogador.
Penhora
Outra mudança promovida pelo adendo foi a exclusão da cláusula 5.5 do acordo inicial que isentava o Palmeiras de ressarcir a parceira caso o contrato de Guerra se encerrasse e o clube nada ganhasse.
Fica estabelecido que se Guerra rescindir seu contrato na Justiça devido à "ação ou omissão culposa" do Palmeiras, o clube deverá ressarcir integralmente a parceira "inclusive com autorização de penhora das rendas de bilheteria e do programa sócio-torcedor Avanti".
As partes firmaram acordos semelhantes em relação a Dudu, Borja, Luan, Bruno Henrique e Deyverson.
O que dizem as partes
Abaixo leia respostas encaminhadas ao pelo departamento jurídico do Palmeiras, por meio de sua assessoria de imprensa, sobre questionamentos em relação aos adendos.
Pergunta – Eventuais valores devidos pelo Palmeiras e citados no adendo são apenas dívidas vencidas ou também a vencer? Por exemplo: hoje, se Guerra for vendido com lucro de R$ 10 milhões, esse dinheiro tem que ser usado para pagar parte dos R$ 120 milhões que a Crefisa emprestou, apesar de não existir nenhuma parcela aberta neste momento?
Resposta – "Vale apenas para as dívidas vencidas e não para as dívidas a vencer. Isso é justamente uma das justificativas que demonstra que os contratos são individuais. Ou seja, se vendermos o Dudu por 15 milhões de euros, mas não houver dívidas vencidas nos demais contratos, a lucratividade da operação pode ser totalmente apropriada pelo Palmeiras".
Pergunta – Essa cláusula que vale para o caso do Guerra vale para outros contratos também?
Resposta – "Sim, essa cláusula vale para todos os contratos".
Por meio de sua assessoria de imprensa, Leila Pereira, presidente da Crefisa, não esclareceu as dúvidas do blog e se manifestou da seguinte forma:
"Perrone, primeiro quem estiver passando esses contratos para o senhor tem a nítida e clara vontade de prejudicar o Palmeiras, talvez seja a mesma pessoa que levou o primeiro contrato para a Receita, mas enfim essa pessoa deveria respeitar a cláusula de sigilo, que é muito comum em contratos. Mas o senhor e os torcedores do Palmeiras podem ter certeza, eu jamais vou fazer qualquer coisa que prejudique o clube".
Discordância
O COF (Conselho de Orientação e Fiscalização) palmeirense discorda das alterações. Alega que elas não poderiam ter sido feitas sem sua anuência, entre outras supostas irregularidades. O presidente Maurício Galiotte nega ter cometido falhas no processo.
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