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Por que executivos viraram protagonistas em clubes e até torcida opina?

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07/12/2019 04h00

Antes chamado de "Mittos" pela torcida do Palmeiras, Alexandre Mattos foi demitido no último domingo após um desgaste que incluiu protestos de organizada em frente ao condomínio em que mora e ameaças de torcedores. Agora, a discussão sobre seu substituto provoca engajamento de torcedores que tratam o assunto como se estivessem falando da contratação do próximo técnico ou de um grande craque. No São Paulo, virou tema prioritário se o clube deve manter ou demitir Raí, dirigente remunerado tricolor. Mas como os diretores executivos de futebol viraram "menina dos olhos dos clubes" e fizeram os torcedores se importarem tanto com eles? Para tentar responder à pergunta, o blog ouviu profissionais da área.

Entre as análises estão o excesso de exposição desnecessária de cartolas remunerados, uma visão equivocada de seus trabalhos nas agremiações e o grau de complexidade que as contratações de atletas e outras funções no departamento de futebol ganharam nos últimos anos.

A final da Copa do Brasil de 2011, vencida pelo Vasco na decisão diante do Coritiba, é um momento importante para se entender a visibilidade que os dirigentes remunerados ganharam no país. Na ocasião, recebeu destaque da imprensa o duelo entre dois cartolas profissionais: Rodrigo Caetano, então no Vasco, e Felipe Ximenes, que trabalhava para a equipe paranaense.

O interesse jornalístico nas atividades dos dois atraiu a atenção dos torcedores e ela não parou de crescer na direção dos profissionais dessa área. Porém, a função já existia há tempos, mas sem tanta badalação. Caetano é prova viva dessa transformação. Passou a ser tratado com status de craque em seu ramo. Hoje está no Internacional e divide com Diego Cerri, do Bahia, o posto de preferido dos dirigentes amadores do Palmeiras para a vaga de Mattos com direito a tratados escritos por torcedores nas redes sociais.

Mattos é um dos que mais colaboraram para a consolidação da fama dos dirigentes profissionais. Com dois títulos brasileiros durante sua gestão no Cruzeiro, ele já chegou ao Allianz Parque com pinta de ídolo.

"A importância é proporcional à responsabilidade que cada um (diretores executivos, outros profissionais e dirigentes estatutários) assume dentro da estrutura. Acho natural que, com a responsabilidade e o papel que todos esses agentes do negócio, do futebol, assumem que isso seja reconhecido", afirmou Bruno Spindel, diretor executivo de futebol do Flamengo.

Com passagens por São Paulo e Santos como diretor remunerado, Gustavo Vieira de Oliveira, atualmente membro do conselho de administração da Botafogo S/A, ligada ao Botafogo de Ribeirão Preto, atribui, em parte, o destaque dado aos executivos de futebol à participação deles em contratações de atletas.

"Embora as atribuições do executivo sejam bem mais amplas, o que mais gera visibilidade são as negociações, e, nos últimos 15 anos, as negociações passaram a ser mais complexas, demandando maior dedicação de tempo, relacionamentos e expertise para sua condução. Soma-se a isto, o fato de a opinião pública acompanhar com maior interesse, o que tem a ver também com o fenômeno das redes sociais. O executivo personifica o clube neste mercado com mais visibilidade", afirmou o filho do ex-jogador Sócrates.

Tal visibilidade leva os dirigentes profissionais a serem exaltados ou massacrados nas redes sociais e virarem personagens de selfies ou protestos de torcedores dependendo do resultado do time. Para Tiago Scuro, CEO da parceria entre Red Bul e Bragantino e ex-executivo do Cruzeiro, a atenção que esses funcionários das agremiações recebem tem a ver com a exposição de parte deles na mída.

"Essa situação no Brasil é única. Em outros países, esse profissional não tem a mesma relevância. Na Premier League (Inglaterra), quantas vezes você vê o executivo de futebol dando entrevista coletiva, falando na zona mista ou apresentando jogador contratado? A função do executivo é gerir o clube, não reagir a tudo que acontece. O executivo não deveria ter esse protagonismo que tem no Brasil, mas uma atuação mais discreta como acontece em outros países. Claro, alguns momentos específicos vão exigir um posicionamento (pela imprensa)", disse Scuro. Recentemente, ele foi sondado para o lugar de Mattos no Palmeiras, mas entendeu que não poderia deixar o projeto de Red Bull e Bragantino num momento de implantação.

Para Gustavo, essa exposição passa por uma estratégia dos dirigentes amadores. "Há interesse também de conferir visibilidade ao executivo por parte da diretoria estatutária na necessidade de expor alguém que seja o contratado (e descartável) e não aquele que tem carreira política", analisa. Ou seja, esses profissionais estariam sendo usados como escudos pelos cartolas tradicionais. "A pergunta que temos que fazer é: 'querem um escudo contra o que?", opina o executivo do Red Bull Bragantino.

Profissionalismo x amadorismo

A convivência entre "cartolas de carteirinha" e profissionais do futebol nos clubes tem sido conflituosa em alguns casos. E a corda costuma estourar do lado dos funcionários. Na Santos, recentemente, Paulo Autori reclamou de declarações de José Carlos Peres que sugeriam interferência dele no futebol do clube e avisou que deixará a agremiação ao final da temporada. O próprio Gustavo foi demitido na Vila Belmiro depois de uma curta passagem tumultuada por problemas políticos. No Palmeiras, após a saída de Mattos, Maurício Galiotte optou por criar um comitê de diretores amadores para atuar no futebol, sem dispensar a contratação de um novo executivo. Por sua vez, Leco, presidente do São Paulo, sofre grande pressão interna e até de parte da torcida para demitir o executivo Raí, um dos principais ídolos do clube do Morumbi.

"O (diretor estatutário)  tem o desejo de participar, o clube espera que ele participe, ele próprio fez carreira política com a intenção de participar das decisões, ele é perguntado na rua e na família por sua participação, há uma sensação geral de que fazer futebol é fácil, enfim, é muita tentação e pressão para o estatutário administrar o próprio ego e abster de interferir", afirmou Gustavo ao ser indago sobre a relação entre diretores profissionais e amadores.

A demissão de Mattos também levantou a questão sobre como o trabalho dos executivos é avaliado. O ex-funcionário do Palmeiras não resistiu à falta de taças na atual temporada, mesmo tento no currículo dois títulos brasileiros e um da Copa do Brasil pelo alviverde.

"Essa importância maior dada aos executivos veio na visão de tirar um pouco o poder do treinador. Mas existe uma distorção na visão sobre as responsabilidades do cargo, creditam o fraco desempenho ou o êxito ao executivo. Dão muito valor às contratações, como o se o executivo contratasse sozinho. Muitas vezes, ele contrata quem o dirigente pede. Como em qualquer indústria, o executivo deve liderar um departamento, ele é parte de uma engrenagem. Sua avaliação não pode ser só em relação às contratações e aos resultados do time. É preciso ver todo seu trabalho. Mas, não existe vítima nessa história. O executivo, muitas vezes, precisa ter um posicionamento mais discreto. Dirigentes e imprensa precisam avaliar melhor esse trabalho. Até o torcedor precisa entender mais essa função", declarou Scuro.

Gustavo também avalia que jornalistas, dirigentes amadores e torcedores não estão preparados para analisar a atuação desses profissionais do futebol. "Seguramente não. Imagina-se que o trabalho do executivo seja somente contratar e vender atletas, sendo que as atribuições são muito mais amplas. Além disso, os clubes não definem claramente suas metas. E, quando o fazem, têm receio de comunicar ao torcedor. O executivo deveria ser executor das estratégias instituídas pelo clube", ponderou o profissional da Botafogo S/A.

Por sua vez, o diretor do atual campeão brasileiro e da Libertadores não reclama das avaliações instantâneas de acordo com os resultados do time. "Acho que, como em toda a carreira, qualquer que seja ela, as pessoas são avaliadas pelos seus resultados. Então, é natural que tenha uma avaliação imediata. Nas vitórias e títulos uma avaliação boa. E quando acontece o contrário, dependendo como foi, que seja em sentido contrário. Acho que isso é natural, não dá para esperar nada diferente disso", afirmou Spindel.

Sobre a maneira como imprensa, torcedores e dirigentes analisam o trabalho dos executivos, o diretor rubro-negro ainda afirma que não se pode generalizar. "O torcedor é o maior patrimônio do clube. No caso do Flamengo é a maior torcida do Mundo. Por eles que a gente faz tudo e o que a gente mais quer é que o clube vença sempre para que eles estejam felizes e que aconteça o que agente viu. Isso não tem preço, o que aconteceu no apoio ao time esse ano todo. Imprensa e dirigente também é difícil de generalizar. O fato é que quanto mais preparado o dirigente do clube, que é representante do torcedor, do sócio, mais bem tomadas vão ser as decisões. Imprensa, de forma geral, acho que a qualidade da informação que a ela recebe, tem o papel do clube, dos funcionários, dos executivos de informar e dar o maior subsídio possível à imprensa para que a opinião seja formada à luz das melhores informações possíveis", declarou o diretor do Flamengo.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.