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Opinião: Bolsonaro faz papel de cartola típico. Mandetta é o técnico frito

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06/04/2020 08h39

À medida que o novo coronavírus avança no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro aumenta suas semelhanças com o estereótipo do cartola do futebol brasileiro. Consequentemente, o ministro da saúde sente na pele a pressão de um treinador em processo de fritura.

Bolsonaro aumentou a temperatura da frigideira ao dar entrevista para a rádio Jovem Pan dizendo que ele e Luiz Henrique Mandetta não se bicam e que o ministro precisa ser mais humilde.

Deu para ouvir o barulho da fritura quando o presidente disse: "a gente espera que ele dê conta do recado. Não é uma ameaça para o Mandetta. Nenhum ministro meu é 'indemissível', como os cinco que já foram embora".

Impossível não lembrar do mantra da cartolagem: "técnico vive de resultados".

A diferença é que, normalmente, quando se chega nesse estágio o treinador já tem a torcida contra ele. Mandetta está respaldado pela aprovação da maior parte da população em relação ao seu trabalho durante a pandemia, segundo pesquisa do Datafolha.

Ao insistir em discursar sobre assuntos técnicos, como quando minimizou a gravidade da pandemia, defendeu o relaxamento do isolamento social e sugeriu medicamento, Bolsonaro agiu como os cartolas que tentam interferir na escalação do time.

Deu pra lembrar de um episódio no São Paulo em 2012. Inconformado com o fado de o técnico Emerson Leão não tirar Paulo Miranda da equipe após seguidas falhas, o presidente do clube na ocasião, Juvenal Juvêncio, agiu. O cartola, que já faleceu, ordenou que o zagueiro fosse afastado da equipe por deficiência técnica quando já estava concentrado para jogo contra a Ponte Preta.

Por sua vez, o ministro adota o comportamento dos técnicos que estão sendo fritos: diz que fica no cargo enquanto o chefe quiser ou que sai quando já tiver cumprido sua missão.

Assim como treinadores, em suas entrevistas coletivas Mandetta dá alfinetadas em quem planeja derrubá-lo.

 Na última sexta, por exemplo, falou que vai acontecer "o que a gente chama de fritura". Atribuiu o processo ao "pessoal da política". Afirmou que será atacado pela internet, que preços de insumos comprados pela pasta e número de mortos na pandemia serão usados como munição contra ele.

Se repetir o padrão adotado pela maioria dos cartolas, Bolsonaro vai esperar por uma combinação de fatores para afastar Mandetta, a menos que o ministro entre em sintonia com ele.

O manual da demissão de técnico diz que é preciso ter um motivo (uma goleada para um rival, por exemplo), bons substitutos disponíveis no mercado e apoio político e da torcida. Neste momento, o presidente da República parece longe de fechar a lista. Mas, não se pode garantir de Bolsonaro vá seguir essa cartilha.

 

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.