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Como se treina enfermeiros para trabalharem na UTI durante a pandemia

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08/05/2020 04h00

Profissionais usam manequim em treinamento Foto: Divulgação/Hospital Sírio-Libanês

ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

Um dos gargalos do sistema público de saúde no Brasil durante a pandemia de Covid-19 é capacitar profissionais para atuarem em UTIs com pacientes infectados pelo novo coronavírus. Nesta quinta (7), uma parceria entre o HC (Hospital das Clínicas da Faculdade Medicina da USP) e o Hospital Sírio-Libanês) começou a atacar o problema.

Cerca de 600 profissionais de enfermagem da unidade pública do HC começaram a ter  "aulas" com "professores" dos dois hospitais para ficarem aptos a atuar nas unidades críticas. "Diante da necessidade do HC, que tem que estruturar e lançar mais 100 leitos de UTI, dentro do instituto central do HC, eles estavam contratando profissionais, mas, obviamente, profissional com especialização em terapia intensiva é mais difícil. A gente não tem um número suficiente de profissionais capacitados para atender a necessidade atual da pandemia. Nós falamos: 'podemos ajudar"', disse Vania Baia, diretora assistencial do Sírio-Libanês, hospital privado.

Foram montadas cinco estações de treinamento numa área do HC que estava desativada onde serão feitos treinamentos teóricos e práticos para enfermeiros, auxiliares e técnicos que estão sendo contratados pelo Hospital das Clínicas ou que atuavam em áreas fora da UTI. "Deslocamos para lá uma equipe de 12 pessoas (do Sírio-Libanês).

As estações foram divididas da seguinte forma:

Estação 1 – Preparo e administração de medicamentos.

Estação 2 – Sinais vitais e monitorização cardíaca do paciente crítico.

Estação 3 – Atendimento à parada cardiorrespiratória.

Estação 4 – Avaliação do paciente crítico.

Estação 5 – Cuidados gerais do paciente crítico.

Em cada estação, são treinados dez profissionais por hora. São 50 profissionais sendo treinados pela manhã e outros 50 à tarde. Serão 3.600 horas de treinamento, que fazem parte da parceria pela qual o Sírio-Libanês montou 11 leitos de UTI no HC. Serão dois meses até que todos sejam treinados.

"É um volume muito grande de informação e de treinamento em um curto espaço de tempo. Normalmente a gente faz um treinamento de laboratório para o profissional em 40 dias. Depois, ele vai para a prática, lá na ponta, e continua trabalhando. Então, o maior desafio da gente é puxar isso para duas semanas (tempo de treino de cada "aluno"), que são esses encontros. O grande desafio é que ele assimile tudo isso que a gente tá passando. Normalmente, a gente prepara um profissional para trabalhar na UTI em dois meses. Esses vão ser preparados em menos de um mês", disse Baia. Os profissionais treinados contam com tutores ao trabalharem nas UTIs por conta da complexidade do trabalho.

Documento que detalha o projeto aponta que os objetivos são:

  • fornecer subsídios para o desenvolvimento de competências e habilidades ao cuidado de enfermagem.
  • vivenciar situações do cotidiano profissional visando aprimorar a prática assistencial.
  • promover a reflexão da prática com foco na segurança assistencial.
  • estimular a participação ativa no processo de construção do conhecimento.

Para a diretora assistencial do Sírio-Libanês a principal dificuldade para quem começa a trabalhar numa UTI é a instabilidade da saúde dos pacientes. "Numa internação, claro que a gente tem problemas e pode ter casos críticos, mas, normalmente, a gente tem casos mais estáveis. Numa UTI, ele (quadro do paciente) muda em questão de minutos, a expertise é outra, tem que ter um olhar clínico muito apurado", afirmou ela.

Para tentar se aproximar das condições reais de trabalho os treinamentos contam, por exemplo, com manequins nos quais os profissionais praticam a aplicação de cuidados comuns numa UTI. "Temos braços com uma veia artificial que eles podem puncionar. Nesse laboratório que a gente montou ele pode fazer, num ambiente simulado, vários procedimentos que ele vai fazer lá na ponta. Desde um banho num paciente. Como a gente dá um banho de leito num paciente crítico, se ele está cheio daqueles fios que a gente chama de eletrodos, ele está conectado nos equipamentos, ele está entubado, tem um respirador ao lado dele? Então, a gente ensina tudo isso", explicou Baia.

A diretora assistencial elege a dificuldade em encontrar profissionais da área de enfermagem preparados para atuar na UTI como grande problema do país no enfrentamento à Covid-19.

"Na minha opinião, acho que esse é o principal fator que a gente pode ter. A questão de equipamento, de uma forma ou de outra, os hospitais acabam recebendo. A gente vai conseguindo montar os leitos. Mas o recurso humano, o treinamento é insubstituível. Acredito que uma série de hospitais, os hospitais de campanha que não são de terapia intensiva, o país está conseguindo mobilizar de uma melhor forma. Os demais não. Eles estão com uma força-tarefa com treinamento intensivo num curto espaço de tempo. Médicos eu não sei dizer, mas enfermeiros, fisioterapeutas com expertise de UTI a gente não tinha tantos preparados para atender essa demanda. Está sendo uma corrida contra o tempo. É preocupante também que temos muitos profissionais afastados e precisamos de gente capacitada para fazer a substituição. O lado bom é que a gente tem condições de dar esse treinamento", analisou a especialista.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

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