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Clubes devem pensar mais na sociedade do que em seus cofres na pandemia

Perrone

03/05/2020 13h40

Discutir o retorno dos campeonatos de futebol no país em meio à pandemia é muito mais do que tratar da sobrevivência dos clubes. É óbvio que o mais importante é a saúde da população, mas grande parcela dos dirigentes parece imitar o presidente Jair Bolsonaro e dizer "e daí?" para as mais de 6 mil mortes por Covid-19 no Brasil até agora.

Nesse cenário, a crise dá a oportunidade para os cartolas mostrarem o quanto são capazes de entender ou não um problema global. Autorizar a retomada dos treinos presenciais agora ou fazer lobby para os jogos voltarem com portões fechados o mais rapidamente possível são atitudes de quem teima em olhar para o próprio umbigo enquanto milhares ao seu redor morrem.

Grêmio e Internacional, por exemplo, apoiados num decreto da prefeitura de Porto Alegre, retomam os treinamentos físicos presenciais nesta semana. Os dois clubes se cercam de cuidados para evitar que seus jogadores e outros funcionários não sejam contaminados. Esse é o problema. A preocupação não pode ser apenas interna. É preciso pensar no exemplo que será dado para população. É natural que muitos se sintam estimulados a sair de casa para retomar parte de sua rotina.

Outro ponto importante: as duas agremiações prometem testar jogadores e demais funcionários e adotar o uso de EPIs. Ninguém nos clubes pensou que há uma falta testes para covid-19 e de EPIs? A carência de equipamentos de proteção individual, aliás, se tornou um pesadelo para médicos e enfermeiros já que sem os materiais adequados o risco de contaminação é imenso.

Não seria melhor Grêmio e Internacional retomarem os treinos à distância, como parte dos clubes vai fazer? Testes e EPIs seriam poupados podendo ficar à disposição do sistema de saúde.

Agora pense se os jogos forem retomados antes que a situação esteja sob controle, o que está longe de acontecer. Os cartolas afirmam que todos os cuidados serão tomados para proteger os envolvidos nas partidas. De novo, falta sensibilidade para entender a crise de maneira ampla. O número é maior, mas vamos pensar em 30 pessoas por time entre jogadores e comissões técnicas voltando a disputar competições. Só para as Séries A e B do Brasileiro seriam necessários 1.200 testes para Covid-19 para assegurar que todos sejam testados. É uma quantidade que faz falta ao sistema público de saúde. Não é hora de energia e recursos serem gastos fora do foco principal.

Com atletas treinando e jogando também há o risco de lesões graves. Não é tão raro, por exemplo, um choque de cabeça entre dois adversários levar ao menos um deles para o hospital. Fraturas e rompimentos de ligamentos que exigem cirurgias também não são raridades. É desnecessário correr o risco de levar mais gente para os hospitais em meio a uma pandemia.

Na opinião do ministro Nelson Teich, a volta do futebol seria boa emocionalmente para a população durante o distanciamento social. Sem dúvida, a quarentena ficaria menos chata para quem gosta da modalidade. Mas o Ministério da Saúde precisa pesar todos os fatores. Apenas distrair a população com jogos na TV cheira à política do pão e circo. Isso é exatamente o que o povo não precisa.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.