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Opinião: Brasileirão ajuda país a fingir que pandemia está controlada

Perrone

09/08/2020 10h36

É emblemático que o Brasileirão tenha começado no sábado (8) em que o país atingiu a marca, já superada, de 100 mil mortes oficiais por covid-19.

O número mostra o óbvio: a pandemia não está controlada, por mais que o presidente da República menospreze o potencial letal da doença. E por mais que os governos estaduais relaxem medidas de distânciamento social.

Lembra lá no começo quando Jair Bolsonaro dizia que o país não podia parar e que o futebol ajudaria a melhorar o ânimo das pessoas?

Então, a melhora emocional por meio do futebol projetada pelo presidente só pode ser alcançada com desvio de atenção. No lugar de nos voltarmos para os números da covid-19, olhamos os do Brasileirão e dos Estaduais.

Enquanto mais de 100 mil famílias choram as mortes de seus entes queridos, tratamos como drama uma disputa de pênaltis em final de Estadual.

Assim, mais uma, vez o futebol cumpre seu ridículo papel de ser o circo de um povo sob ameaça.

A sociedade não poderia desviar sua atenção da pandemia. Seja para se proteger ou para cobrar os governantes a respeito de como lidam com a saúde pública.

Em vez das entrevistas coletivas diárias de membros do Ministério da Saúde, que tanto incomodavam Bolsonaro, agora assistimos a mesas redondas e, a partir deste domingo, os gols da rodada do Brasileirão.

Enquanto isso,  pessoas morrem de covid-19. Dinheiro que veria ser usado para tratar doentes é desviado. Porém, provavelmente, teremos mais cobrança em técnicos que não arrumam o time, em goleiros frangueiros ou em atacantes de pé torto do que em gestores corruptos.

Jogadores e comissões técnicas farão testes aos montes, enquanto falta testagem para a população em geral.

Apesar dos testes, atletas e demais envolvidos nas partidas são expostos desnecessariamente ao risco de se contaminar.

E quem os assiste jogando muitas vezes acha que está tudo bem e relaxa nas medidas de prevenção. É só ver quantas pessoas que você conhece que se reuniram pra assistir às finais dos Estaduais fazendo churrasco ou simplesmente se juntando para torcer. E sem máscara e se abraçando para comemorar.

Não sabemos mais de cabeça como anda o fornecimento de equipamentos de proteção individual para os profissionais da saúde e quais os locais em situação mais grave.

Porém, sabemos quem treina qual time, quais são as promessas do Brasileiro e os favoritos da competição. É uma trágica inversão de prioridades simbolizada pela imagem postada por Bolsonaro parabenizando o Palmeiras pela conquista do Estadual no dia em que o Brasil chegou aos 100 mil mortos oficiais.

Com todo respeito ao merecido título alviverde, o presidente tinha a obrigação estar concentrado no combate da pandemia.

Ele deveria ter desconfiado de que publicar uma imagem que soa como  comemoração num dia tão trágico poderia ser interpretado como desrespeito às famílias dos mortos. Definitivamente, não é hora de futebol.

Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.