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Ditadura militar vigiou amistoso do Santos, e sobrou até para Havelange

Perrone

11/09/2014 13h03


Na segunda reportagem sobre arquivos da ditadura militar no Brasil, o blog conta como um amistoso do Santos em Paris, em 1971, foi espionado pelo Dops (Delegacia de Ordem Política e Social).

O caso está registrado em relatório de 9 de junho de 1971 com um título que parece de coluna social: "Notícias da França". Porém, é um documento rico para a discussão sobre o envolvimento ou não do futebol com o regime militar no Brasil (1964 a 1985).

Informante do Dops em Paris, relatou ao órgão festa numa boate com a presença de membros da delegação do Santos, incluindo o mais famoso de todos, Pelé. O time brasileiro enfrentaria um combinado formado pelas equipes do Saint-Étienne e Olympique de Marseille.

O ambiente na casa noturna de uma mulher identificada como "uma tal Règine" não lembraria os tempos de torturas, atentados e mortes no Brasil, não fosse a presença de revolucionários brasileiros. Eles fizeram panfletagem contra o regime e pediram para que quem fosse ao jogo, ao reverenciar a majestade de Pelé, não se esquecesse das vítimas da ditadura.

O espião (ou os espiões, o relatório não precisa quantos eram os infiltrados do regime militar) ficou especialmente indignado com a passividade que notou em João Havelange, então presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), antigo nome da CBF.

Diz o relato registrado no Dops: "Há pouco, a equipe de futebol do Santos esteve em Paris para uma partida com o combinado "Saint-Étienne-Marseille (fazendo péssima figura por sinal). Lá, muita coisa desagradável aconteceu, principalmente no terreno político-ideológico. E sem nenhuma providência prática, inclusive, do senhor João Havelange que só procurou fazer média com todos porque quer ser presidente da Fifa".

O que se esperava de Havelange, eleito número 1 da Fifa três anos depois, era uma atitude contra ataques ao regime militar e a figuras como Sérgio Fleury, considerado um dos maiores torturadores do período da ditadura.

Pelé também é citado no informe, mas de maneira jocosa. "… Registrou-se grande agitação de natureza política (aí, Pelé resolveu cantar uma música brasileira e deu esta gafe: apresentou La Paloma)", diz trecho do documento.

Após a alfinetada no camisa 10, o relato prossegue informando que promoveu-se tumulto contra "a ditadura imperante em nosso pais" e que "mexem até com nosso doutor Fleury".

A inclusão do nome do delegado em panfleto distribuído durante o evento com a presença dos santistas faz o Dops suspeitar que o autor fosse um brasileiro que havia deixado o país recentemente, Pedro d'Aléssio. A partir daí o relatório lista uma série de nomes e grupos suspeitos de conspirar contra o regime, numa mostra de como a espionagem em volta do amistoso serviu para outras investigações.

Anexada ao relatório, está a versão em português de um manifesto entregue a franceses pelos rebeldes. Com o título "Brasil, campeão do mundo de futebol, campeão do mundo da tortura", o documento retrata como os movimentos de oposição à ditatura interpretavam a relação entre futebol e o governo militar.

O panfleto começa assim: "O jogo a que vocês vão assistir é um jogo de futebol utilizado para fins políticos de propaganda do governo brasileiro. Por que o governo brasileiro sente a necessidade de fazer jogos de propaganda? Porque o governo brasileiro tem que tentar esconder aquilo que ele faz".

O manifesto afirma ainda "não nos venham dizer que esporte não se mistura com política. Hoje, dia 31 de março, é o sétimo aniversário, dia por dia, da tomada do poder pela ditadura fascista no Brasil". E faz o apelo aos torcedores: "Espectadores do jogo Santos x Saint-Étienne/Marseille, ao aplaudir as proezas de Pelé, não esqueçam os milhares de mortos torturados pela ditadura brasileira". Assinam o panfleto o Socorro Vermelho, a Aliança Marxista Revolucionariana, Os Amigos da Causa do Povo e a Liga Comunista.

O relato do Dops não traz detalhes sobre a partida, nem o resultado. De acordo com a imprensa na época, o jogo terminou sem gols, com vitória francesa na disputa de pênaltis, no dia 31 de março de 1971. E o pontapé inicial foi dado pela deslumbrante atriz Brigitte Bardot.

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Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.


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