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Documentos do Dops contam como Palmeiras foi forçado a se afastar da Itália

Perrone

17/09/2014 12h00

A terceira reportagem do blog sobre documentos do Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) mostra detalhes de como o Palestra Itália foi forçado a se afastar de suas origens italianas durante o Estado Novo (1937 a 1945) e a Segunda Guerra Mundial.

Um largo passo na forçada caminhada que levaria o clube a se transformar em Palmeiras foi dado no dia 21 de janeiro de 1942. Naquela data, de acordo com duas amareladas folhas de papel, Paschoal Walter Bairo Giuliano, secretário-geral do Palestra, compareceu à sede do Dops.

O dirigente, que se transformaria em um dos mais vitoriosos presidentes do clube, com mandatos entre 1953 e 1984, assinou termo aceitando um pacote de exigências. Era preciso concordar com elas para que a sociedade esportiva continuasse de portas abertas. A partir de então, o clube tinha que comunicar ao Dops a realização de suas reuniões com três dias de antecedência para que elas fossem vigiadas, impedir a audição de emissoras de rádio estrangeiras em suas dependências e assegurar que não aconteceriam encontros dos sócios fora do "recinto da sociedade".

Eram as medidas de repressão a entidades ligadas a estrangeiros determinadas pelo governo de Getúlio Vargas. Na época, o governo tinha como uma de suas características o nacionalismo e se alinhava com os Aliados (Estados Unidos, Reino Unido, França e Rússia). Estes lutavam contra Itália, Alemanha e Japão, o chamado Eixo.

Quatro dias antes do comparecimento de Giuliano ao Dops, o cerco aos clubes de origem estrangeira havia apertado. Telegrama identificado com o número 732, de 17 de janeiro de 1941, continha instruções do ministro da Justiça ao interventor federal do Estado de São Paulo. Elas determinavam "maior controle das sociedades estrangeiras". Com base nesse telegrama, o Palestra foi intimado a comparecer ao Dops, ordem cumprida por Giuliano.

Oito dias após a assinatura do termo de compromisso, o Palestra precisou cortar na própria carne para sobreviver. Documento de 28 de janeiro de 1942 entregue à Superintendência de Segurança Política e Social registra que naquele dia quatro dirigentes do clube pediram demissão por serem italianos. Entre eles estava o diretor geral de esportes, Attilio Ricotti.

"Os pedidos [de demissão] foram todos aceitos, figurando, portanto, na diretoria desta sociedade somente brasileiros natos", diz trecho do documento, também assinado por Giuliano. Uma lista com o nome de todos os brasileiros dirigentes do clube, incluindo seus endereços, foi entregue aos policiais. Na relação, entre outros, aparecem Italo Adami, presidente, e Hygino Pellegrini, primeiro vice e que também teve passagens vitoriosas pela presidência.

Outro documento, de 12 de agosto de 1942, mostra mais marcas deixadas no Palestra durante aquele período. A primeira delas está no nome. Uma carta enviada para a Delegacia de Ordem Política e Social mostra o escudo do clube com o nome Palestra de São Paulo, não mais Itália.

A finalidade do ofício é mais um sinal das aflições de quem torcia pelo time naquela época. O objetivo do presidente Italo Adami era pedir um salvo-conduto para que os sócios do clube pudessem ir até Santos de trem para acompanhar um jogo da equipe. O salvo-conduto era dado principalmente a imigrantes italianos, japoneses e alemães para que eles pudessem se deslocar por determinado território durante a Segunda Guerra. Foi justamente naquele mês em que o Brasil entrou no conflito contra o Eixo, liderado por Itália, Alemanha e Japão.

Na ocasião, o dirigente palestrino explicou que para a "maior comodidade de seus sócios", o clube organizou "uma caravana de trem especial que partirá da estação da Luz". Em seguida, Adami diz que tem a honra de solicitar ao Major Olinto França, superintendente do Dops, que "se digne mandar conceder salvo-conduto coletivo" para os integrantes da caravana. Ele afirma ainda que foi informado na estação de que cada vagão do trem deve ter a presença de um guarda indicado pelo Dops. A intenção era encher dez vagões.

A resposta saiu no dia seguinte. Escrita à mão, é de difícil leitura, mas ao que parece o pedido foi indeferido.

Menos de dois anos depois desse episódio, relatório feito por investigadores identificados apenas por números, já menciona o clube como Sociedade Esportiva Palmeiras. O documento, de 17 de março de 1944, ainda durante a Segunda Guerra e o Estado Novo, relata que os agentes 18, 230, 808 e 908 compareceram à assembleia da Sociedade Esportiva Palmeiras em que foram eleitos os conselheiros da chapa "Renovação" e que nada de anormal aconteceu "de interesse para esta especializada".

Na pasta destinada ao Palestra Itália e à Sociedade Esportiva Palmeiras guardada no Arquivo Público do Estado, o blog não localizou documentos sobre a mudança de nome para Palmeiras, que ocorreu em setembro de 1942, como resultado da pressão sobre entidades ligadas a estrangeiros.

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Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

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Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.


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