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Dura em Cueva com laptop e Nenê cobrado: os bastidores da guinada do SPFC

Perrone

28/09/2018 04h00

Começo da era Raí como executivo de futebol do São Paulo. Dia de treino no CT da Barra Funda. Cueva, novamente, chega atrasado. O peruano é chamado para conversar com o dirigente, ao lado de Ricardo Rocha, coordenador de futebol. No lugar de uma bronca tradicional, ele vê o chefe abrir seu notebook e mostrar o novo estatuto do clube. "Eu disse: 'você não pode chegar atrasado porque eu vou te multar. É porque é nisso (estatuto voltado para a profissionalização da agremiação) que eu acredito", disse Raí em entrevista ao blog.

"Cueva falou que acreditava no mesmo quando chegou ao São Paulo, mas que as coisas não estavam acontecendo. Respondi que agora iriam acontecer. Depois disso, ele teve mais um tropeço. Em seguida, ficou um bom tempo sem problemas", completou o campeão mundial de 92.

O jogador da seleção peruana virou figura fácil no banco de reservas tricolor e acabou vendido para o Krasnodar, da Rússia. Nesse momento, no São Paulo já não se falava em dependência em relação a Cueva.

Essa história, impulsionada pelo laptop de Raí, é uma das que ajudam a contar a transformação do time que brigou em 2017 para não ser rebaixado no Brasileirão na equipe que agora disputa o título nacional e neste momento ocupa a liderança do campeonato.

A seguir, conheça mais lances dessa metamorfose, como uma cobrança a Nenê no vestiário e um papo reto com Diego Souza, até então em baixa.

Projeto

Como convencer jogadores a se mudar para um clube que lutara contra o rebaixamento na Série A durante a temporada anterior e estava sendo corroído por uma guerra política. Da mesma forma como fizera com Cueva, Raí usou a reforma estatutária são-paulina para seduzir os pretendidos.

"Tento vender um projeto, não uma coisa a curto prazo. Junto com isso, a questão da ambição, voltar a ser um clube vencedor, referência, o pioneirismo", contou o dirigente remunerado.

O estatuto, que prevê a troca de diretores amadores por profissionais, também foi mostrado aos atletas na apresentação de Raí ao grupo. Na ocasião, ele apontou as metas de transformação que o São Paulo pretendia atingir.

Apesar de para Raí a alteração no estatuto ser ponto fundamental na recuperação do clube, o presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, foi duramente criticado pela oposição por nomear conselheiros para parte dos cargos profissionais. A prática sugeria que nem tudo mudaria.

Sobrevida de Dorival no Morumbi

Torcida, conselheiros e parte da diretoria não suportavam mais Dorival Júnior como treinador. Ao mesmo tempo, a direção ainda sangrava por conta da demissão de Rogério Ceni com apenas cerca de sete meses de trabalho. Demitir Dorival no meio do trabalho não ajudaria a revigorar a desbotada imagem do clube. Esse era um dos fatores que faziam Raí insistir na manutenção.

Enquanto a fritura do treinador aumentava, Lugano sugeria a contratação de Diego Aguirre. O blog apurou que ele foi avisado nesse período de que poderia assumir a equipe. Assim, já começou a observar os jogos do São Paulo.

Dorival não resistiu por muito mais tempo. Porém, Raí acredita que a demora para tomar a decisão ajudou a fortalecer a confiança dos jogadores no trabalho da nova diretoria de futebol.

"Isso tem reflexo, os atletas perceberam que fomos até onde deu, viram a minha coerência com o Dorival em relação ao que falei para eles quando cheguei", disse Raí.

Bancando a contratação de Aguirre

Existe uma avaliação no São Paulo de que boa parte da reconstrução da equipe passa pelo fato de Raí ter envergadura para bancar suas decisões diante de críticos supostamente constrangidos em peitar um ídolo do clube.

No caso da escolha por Aguirre para o comando do time, a palavra de Raí pesou mais do que as desconfianças que assombravam o Morumbi.

"Não era um nome no qual eu pensava, mas o Lugano sugeriu, a gente conversou e quando fechamos eu falei: 'assino embaixo'. Aguirre não era uma unanimidade, mas acho que quando eu falei que assinava embaixo quebrei resistências para a contratação dele", declarou Raí.

Nenê cobrado no vestiário

Mineirão, 19 minutos do segundo tempo. O São Paulo está fazendo 1 a 0 no Cruzeiro. Nenê é substituído por Bruno Peres e sai demonstrando sua irritação com Aguirre. Raí espera o final da partida, vencida pelos paulistas por 2 a 0, e aborda o veterano jogador no vestiário para uma conversa direta.

Conforme apurou o blog, o dirigente disse ao jogador que o ambiente estava ótimo no time e, logo ele, um dos mais experientes, ameaçava a harmonia com sua atitude.

Raí confirmou ter conversado com Nenê depois do jogo, mas não esmiuçou como foi o papo. "São coisas que acontecem no futebol e a gente tem que tentar resolver. O Ricardo (Rocha) conversou com o Nenê, o Lugano conversou, eu conversei. Ele entendeu que foi meio espontânea a reação, digo de deixar escapar a emoção sem pensar no contexto geral. Depois do vestiário, também tivemos uma reunião, nós três, com ele no CT", contou o diretor executivo.

O fico de Diego Souza

O Vasco tinha interesse em contratar Diego Souza. Aguirre não demonstrava ter grandes planos para o jogador. Parte dos conselheiros e da diretoria entendiam que o atleta não mostrava vontade de ficar e sua saída seria melhor para todas as partes.

Raí, então, chamou Diego para uma conversa inicial. Depois, marcou uma reunião com ele e Aguirre juntos. O trio acertou os ponteiros e a permanência do atleta foi definida. "Acho que pesou o fato de tudo ter sido conversado abertamente. A gente queria sentir a confiança dele e ele queria sentir a nossa confiança. Queríamos escutar o que ele estava querendo. E o Diego queria ouvir o que a gente esperava dele. Ele diz que o Aguirre sempre foi direto, desde o início. Independentemente de estar confiando nele, foi sincero", afirmou Raí.

De lá para cá, Diego encontrou seu espaço no time, virou um dos mais importantes jogadores da equipe.

Reuniões contra queda de rendimento

Apesar de seguir na liderança, o São Paulo só venceu um de seus últimos cinco jogos no Brasileirão. Foi contra o Bahia, por 1 a 0, no Morumbi. No mais foram três empates e uma derrota. O momento preocupa a diretoria.

Para reverter a situação, Raí fez nos últimos dias reuniões com alguns dos jogadores sobre o tema. "Às vezes, mesmo em momentos em que está tudo bem, faço intervenções. Acho que é natural do campeonato (o líder enfrentar dificuldades como as atuais). Mas ela não pode se alongar. Temos que brigar em cima até o final", disse o diretor.

Cada um na sua

Entre cartolas do São Paulo, a atuação do trio formado por Raí, Ricardo Rocha e Lugano é considerada fundamental para a recuperação tricolor. Os três se encaixam no perfil de profissionalização pregado pelo novo estatuto. Apesar de se reunirem com frequência, eles têm funções diferentes.

Lugano, mesmo na cadeira de superintendente de relações institucionais, é próximo ao departamento de futebol. Tem bom relacionamento com Aguirre e jogadores. Costuma dar sugestões para Raí.

Ricardo Rocha é quem discute tática e outros problemas do time com o treinador. Quando chegou, dava muitas entrevistas, o que gerou desconforto internamente. Foi orientado a conversar mais com jogadores e comissão técnica, e menos com a imprensa, já que a ideia do clube era ter Raí como "a cara do São Paulo", não o ex-zagueiro. Ele adotou a postura sugerida e hoje é visto como uma forte voz no vestiário.

Raí coordena as diversas áreas no CT, faz o elo com a diretoria no Morumbi, recebe informações de Ricardo Rocha e faz atuações pontuais junto ao elenco. Ele também montou um comitê com líderes de cada departamento no centro de treinamento para discutir problemas e soluções. Das reuniões periódicas, entre os membros da comissão técnica, só participam funcionários fixos do clube. Os profissionais que chegaram com Aguirre não fazem parte dos encontros.

Entre os jogadores, Diego Souza é quem mais debate os temas do time com o treinador. Os holofotes foram deixados para Nenê, que normalmente dá mais entrevistas do que o colega. Já Aguirre elegeu Diego Souza, Everton e Anderson Martins como seus principais atletas.

Com Bruno Grossi, José Eduardo Martins e Karla Torralba, do UOL, em São Paulo

 

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Sobre o Autor

Ricardo Perrone é formado em jornalismo pela PUC-SP, em 1991, cobriu como enviado quatro Copas do Mundo, entre 2006 e 2018. Iniciou a carreira nas redações dos jornais Gazeta de Pinheiros e A Gazeta Esportiva, além de atuar como repórter esportivo da Rádio ABC, de Santo André. De 1993 a 1997, foi repórter da Folha Ribeirão, de onde saiu para trabalhar na editoria de esporte do jornal Notícias Populares. Em 2000, transferiu-se para a Folha de S.Paulo. Foi repórter da editoria de esporte e editor da coluna Painel FC. Entre maio de 2009 e agosto de 2010 foi um dos editores da Revista Placar.

Sobre o Blog

Prioriza a informação que está longe do alcance das câmeras e microfones. Busca antecipar discussões e decisões tomadas por dirigentes, empresários, jogadores e políticos envolvidos com o futebol brasileiro.


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